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Lições de uma tempestade

 

Jesus dormia enquanto os discípulos velejavam no barco de pesca para o outro lado do mar da Galiléia. Uma tempestade terrível começou repentinamente. Os discípulos, apavorados, certos de que o barco estava prestes afundar, acordaram Jesus. Esta imagem me fascina: Jesus dormindo numa tempestade! Isto é um retrato vívido da sua confiança tranquila em Deus.

Ele acalmou a tempestade e repreendeu os discípulos por sua falta de fé. Maravilhados, fizeram a pergunta que Marcos queria que seus leitores considerassem: “Quem é este…?”

O texto diz que Ele repreendeu o vento (cf. Mc  4.39). Esta palavra, “repreendeu”, foi usada por Jesus ao expulsar um demônio (cf. Mc 1.25) e ao curar uma doença (cf. Lc 4.35). A palavra grega  “epetimesen” , indica a subjugação de um poder maligno. Alguns interpretam seu uso neste texto, indicando de que Satanás estava por trás da grande tempestade que caiu enquanto Jesus dormia. Por esta perspectiva, Jesus “repreendeu” os seres demoníacos que causavam a tempestade.

Todavia, essa sugestão é improvável. Desde a queda, a própria natureza se voltou contra a humanidade (cf. Gn 3.17,18) e esta ficou vulnerável a todos os tipos de desastres naturais. O milagre tinha o objetivo de demonstrar o poder de Jesus sobre a própria natureza e, assim, sugerir sua divindade. Somente o Criador pode controlar a criação material. A ação de Jesus naquele dia lembrou as palavras do Salmo 89.8,9:

O SENHOR Deus dos Exércitos, quem é poderoso como tu, SENHOR, com a tua fidelidade ao redor de ti?
Tu dominas o ímpeto do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as fazes aquietar. 

Aplicação pessoal deste milagre:

·         A grande tempestade de vento representa as tempestades que enfrentamos em nossas vidas

·         O barco representa nossa segurança, que é ameaçada pelas ondas que batem contra ele.

·         Jesus dormindo no barco representa o aparente silêncio de Deus quando somos afligidos pelo medo e pelas tempestades da vida.

·         A súplica: “Não te importa que pereçamos?” (Mc 4.38), expressa nossos próprios sentimentos profundos de abandono por parte de Deus quando a vida nos oprime.

·         A repreensão de Jesus ao vento e ao mar nos lembra o controle soberano de Cristo sobre todas as circunstâncias das nossas vidas.

·         A bonança que seguiu à tempestade simboliza a serenidade interior que podemos experimentar quando dependemos do amor de Jesus e da sua Palavra.

·         A repreensão de Jesus, “Por que sois tão tímidos?!”, nos lembra que, quando Jesus está em nossas vidas, devemos confiar Nele, mesmo quando as tempestades da vida se intensificam.

·         A pergunta de Jesus, “Como é que não tendes fé?”, nos convida a lembrar o que Cristo fez por nós no passado. Lembrar da bondade de ontem fortalece a fé de que precisamos enfrentar o hoje e o amanhã.

·         O temor dos discípulos nos lembra que nossa atitude para com Jesus deve sempre ser de admiração e respeito porque Ele é verdadeiramente Deus.

·         A pergunta: “Quem é este…?” É respondida pelo milagre e pelas Escrituras. Devemos nos concentrar Nele e não deixar que as circunstâncias da vida nos distraiam.

Nele, que domina ventos e tempestades

Pr Marcelo Oliveira 

Palavras hebraicas e gregas para MILAGRES

 

Há um vocabulário especifíco para identificar milagres no AT e NT. É importante saber o que cada uma dessas palavras nos diz sobre os milagres que descrevem.

Pala’ – Esta palavra é usada cerca de 70 vezes no Antigo Testamento. Significa “ser maravilhoso”. É a raiz de um dos nomes do Eterno de Isaías 9.6 (Pêle Yoets). A raiz geralmente refere-se aos atos de Deus, quer formando o universo ou agindo na História em favor do seu povo. A palavra chama nossa atenção para a reação das pessoas quando são confrontadas por um milagre. O cristão vê o poder tremendo de Deus que invadiu o tempo e o espaço para fazer algo maravilhoso demais para os seres humanos reproduzirem.

O erudito Eichrodt diz: O verbo e o substantivo referem-se aos atos de Deus, designando prodígios cósmicos ou feitos históricos em favor de Israel. Isto é, na Bíblia a raiz pl’ – refere-se a coisas anormais, além da capacidade humana. Consequentemente, desperta admiração (pl’) no homem. Pode-se acrescentar ainda, que é essencial que o milagre seja tão anormal a ponto de ser inexplicável, exceto pela demonstração do cuidado ou da retribuição de Deus.

Várias palavras em português são usadas para traduzir pala’, entre elas: “prodigio”, “milagre”, “maravilhas”, “grandezas” e “grandes obras”.

Mophet – Esta palavra hebraica ocorre aproximadamente 36 vezes no AT. Também significa “prodigio” ou “milagre”. É usada principalmente para relembrar os poderosos feitos de Deus no Egito com o propósito de livrar seu povo da escravidão. Mophet também é usada para castigos e a provisão que demonstra o cuidado contínuo de Deus por Israel no decorrer da História.

A palavra mophet é frequentemente usada com uma terceira palavra hebraica para milagre, ‘ot. As duas geralmente são traduzidas como “sinais e prodigios”. Em Deuterônomio 13, mophet refere-se a uma previsão exigida de alguém que afirma ser profeta. Se o ‘ot (sinal) ou mophet (prodígio) realmente acontece, o candidato a profeta é autenticado. Se não acontece, ele é um falso profeta.

Mophet sozinho geralmente é traduzido por “prodígio” ou prodígios, nas versões portuguesas da Bíblia.

 

‘Ot – Esta palavra hebraica significa “sinal milagroso”. Tem uma grande variedade de significados. A palavra é usada para designar os corpos celestiais como “sinais” que distinguem as estações (Gn 1.14) e para designar uma insígnia ou um estandarte (Nm 2.2). No entanto, quase todas as suas 80 ocorrências no AT incorporam o significado de sinais milagrosos, indicando um ato claro e inconfundível de Deus. Como visto acima, é frequentemente usado com mophet.

Outras palavras hebraicas são usadas para descrever milagres. Por exemplo, milagres são “poderosos feitos” (yalla) ou “poderes miraculosos” (giborah) que são obras inconfundíveis (maasheh) de Deus.

 

No Novo Testamento destacam-se 3 palavras: dunamis, semeion, teras.

 

Dunamis – Descreve um milagre como uma expressão espontânea do poder de Deus. Como os dois outros termos para milagres no Novo Testamento, esta palavra descreve um milagre como violação clara do que as pessoas do primeiro século consideravam ser a lei natural. Os atos poderosos de Deus eram tão inconfundívelmente extraordinarios que ninguém que presenciava um milagre deixaria de reconhecê-lo.

Semeion – Esta palavra grega significa “sinal, prodígio ou milagre”. O significado básico da palavra indica um sinal pelo qual se reconhece uma pessoa ou coisa específica. Quando a palavra semeion tem uma dimensão maravilhosa ou extraordinária geralmente é traduzida por “sinal milagroso”. Esta palavra enfatiza o aspecto de autenticação do milagre como indicação de que poder sobrenatural está envolvido.

Teras – Esta palavra, traduzida por “prodígio [s]”, é encontrada apenas 16 vezes no NT, em cada caso ligada a semeion como “sinais e prodígios”. Na literatura grega, teras denota alguma aparição terrível que evocam temor e terror e que contradizia a ordem do universo. A Septuaginta usa teras para traduzir mophet, indicando assim um símbolo, sinal ou milagre. O termo veterotestamentário e seu equivalente do Novo Testamento estão ligados à revelação de Deus de si mesmo aos seres humanos.

 

Um milagre é um evento extraordinário (pala’, teras). Esse evento pode envolver a violação do que consideramos leis naturais, como a divisão do mar Vermelho e a ressurreição de Lázaro.

Um milagre é um evento causado por Deus (pala’, dunamis, ergon). A natureza e hora do evento, junto com sua significância religiosa ou revelação associada, deixam inconfundivelmente claro que Deus agiu no nosso mundo de tempo e espaço.

Um milagre é um evento de significância religiosa (‘ot, semeion). Não é um ato aleatório, mas um ato intencional de Deus. 

A entrega total – Romanos 12.1

 

Depois de ter mostrado a maneira pela qual o homem pode restabelecer sua relação com Deus, por meio da fé em Jesus Cristo (cf. Rm 5.1) e depois de ter mostrado o caminho da nova vida santificada, por meio do Espírito Santo (cf Rm 8), Paulo se ocupou, no final do livro de Romanos, com a vida cristã.

Paulo apresentou a maneira pela qual o novo homem deve viver – para a glória de Deus (1 Co 10.31), pois vivendo assim viverá uma vida de serviço. Essa vida é descrita como a vida a ser desenvolvida diariamente e o caminho para ela é o caminho da consagração, da dedicação, da entrega da vida a Deus.

O sacrifício era considerado uma oferta solene entregue ou dedicada à divindade, na forma de vítimas (animais) ou donativos, com a finalidade de agradar ou apaziguar a divindade ou ainda obter dela o seu favor. O sistema sacrificial judaico registrado no livro de Levítico foi elaborado pelo próprio Deus para que o povo redimido da escravidão egípcia pudesse aproximar-se e permanecer na presença divina para adorá-lo e servi-lo. Para que o pecador se aproximasse de Deus o sangue de alguma vítima deveria ser derramado, deveria ser entregue. O animal que deveria morrer como substituto deveria cumprir certos requisitos como ser consagrado, puro, sem manchas e perfeito, simbolizando e sinalizando “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1.29).

O sacrifício a ser apresentado a Deus era o “trabalho” do sacerdote. O adorador que desejava ter comunhão com Deus, oferecia a Deus um animal que já estava morto. Mas, é necessário destacar que aqui, Paulo muda completamente a exigência. O sacrifício deve ser vivo. Vivo, porque já recebemos nova vida por meio de Jesus Cristo. Temos agora que submeter nossa vontade, toda nossa vida em sacrifício, pois só assim experimentaremos a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.

 

Nesses versículos encontramos pelo menos 3 aspectos dessa entrega total:

 

O primeiro aspecto verifica-se na motivação da entrega – porque entregar?

1.      A motivação tem como base as bençãos passadas

a.    O argumento é conclusivo – portanto, pois

b.    O pedido, o rogo

2.     A motivação tem como base as ações divinas em nosso favor

a.    A misericórdia divina deve ser definida e entendida

b.    A “                       “       é distinta da graça divina

 

O segundo aspecto verifica-seno conteúdo da entrega – o que entregar?

 

1.    Entregar o corpo (cf. Romanos 6.13,16,19)

a.    Entregar é oferecer, é apresentar-se a Deus

b.    Como sacrifício vivo, santo e agradável

2.    Entregar a vida (cf. Atos 20.24)

a.    Para completar a carreira

b.    Para cumprir o ministério

O terceiro aspecto verifica-se no simbolismo da entrega – qual o significado?

 

1.    A entrega significa um ato de culto

a.    O culto sempre será a Deus

b.    O culto é um serviço a Deus

2.    A entrega é definitiva

a.    É entregar como Jesus se entregou por nós, voluntaria e definitivamente

b.    É apresentar-se a Deus de uma vez por todas, definitivamente (significado do verbo no original grego). 

Quando a cruz é loucura?

 

John Stott, disse: “A cruz é a pedra de tropeço para todo o orgulho humano”. A cruz de Cristo é loucura quando não podemos ver sua sabedoria porque estamos dominados pela razão. Quando a razão se torna a via única de compreensão do mundo, não vemos a cruz de Cristo. A razão não admite a cruz. A razão tem horror a sofrimento e sangue. A razão recusa o que não pode explicar, e a cruz não pode ser explicada, como não o podem a nossa salvação, nem a ressurreição de Cristo no passado e nossa no futuro.

 

A cruz de Cristo é loucura quando não podemos ver a graça da cruz porque somos condicionados à noção de justiça; A ideia de justiça não admite castigo ao inocente, como aconteceu com Jesus por nós. Saulo de Tarso estava cego pela ideia da justiça, mas foi alcançado pela luz de Cristo e passou a ver. Depois, o intelectual Paulo pôde dizer que a graça lhe bastava.

 

A cruz de Cristo é loucura quando não vemos Cristo nela, senão a nós mesmos. Quando olhamos para a cruz e vemos a nós mesmos, não vemos a cruz, que se torna loucura. De fato, era para estarmos lá, mas Cristo tomou o nosso lugar.

 

A cruz de Cristo é loucura quando não tomamos a decisão de viver por e para Ele. Quando, apesar de todas as verdades históricas e bíblicas acerca de Jesus, não nos decidimos por Ele, seu sacrifício é tornado inútil por nós. Se não nos decidirmos a viver por Ele e para Ele, seu sacrifício foi em “vão”.

Tornamos eficaz a cruz para nós quando reconhecemos que Deus tomou a iniciativa de vir ao nosso encontro para nos salvar. A cruz é a manifestação mais completa da graça de Deus para nós.

Tornamos eficaz a cruz para nós quando reconhecemos que ela é o poder e a sabedoria de Deus para nossa salvação. Isso começa a acontecer quando colocamos a razão em seu devido lugar, tornando-a cativa de Cristo. A razão não pode ser a única via de compreensão do mundo. Ela é indispensável, mas não pode excluir a via da fé. Antes, deve estar ao seu serviço, porqe a felicidade está na fé;

Finalmente, tornamos eficaz a cruz de Cristo quando tomamos a decisão de corresponder ao gesto da graça, aceitando a libertação de nossa culpa.

 

Unção tem 4 sentidos no Novo Testamento

 

1.       Um sentido é o uso do óleo derramado sobre o corpo ou parte do corpo para fins de cura. Somos, por exemplo, informados de que os discípulos de Jesus expulsavam muitos demônios e ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam (Mc 6.13). Tiago recomenda que as orações pelos enfermos sejam acompanhadas com óleo (Tg 5.14).

2.   Outro sentido indica a honra dada a uma pessoa. Foi o caso da mulher que se colocou atrás de Jesus, a seus pés. Chorando, começou a molhar-lhe os pés com suas lágrimas. Depois enxugou com seus cabelos, beijou e os ungiu com perfume (Lc 7.38)

3.   Era comum ao tempo de Jesus que os corpos mortos fossem perfumados como parte de seu preparo para o sepultamento. Nesse sentido, lemos: Quando terminou o sábado, Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago, compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de Jesus (Mc 16.1)

4.   Dessas práticas, temos a que venceu o tempo, por seu caráter simbólico. Ungir significa separar uma pessoa para uma missão específica no reino de Deus. Jesus aplica a si mesmo o verbo “ungir”, usado também no Antigo Testamento para a consagração de reis, profetas e sacerdotes. Disse Ele na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para pregar boas-novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos (Lc 4.18).

 Pregando em Cesaréia, Pedro lembra que Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, e como Ele andou por toda a parte fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo Diabo, porque Deus estava com Ele (At 10.38).

 Quando Paulo diz que Deus nos ungiu (2 Co 1.21b), ele incorpora esses significados todos. Primeiramente, Deus nos curou de nossos pecados, pela morte de Jesus na cruz, como escreve Pedro (1 Pe 2.24).  Mais ainda, Deus nos olha como filhos amados, destila óleo sobre nossa cabeça, óleo de honra e óleo que nos perfuma, de modo que possamos ser vistos e cheirados, por causa da fragrância de Cristo (2 Co 2.14).  Somos, então, especiais também porque a unção de Deus significa que Ele tem expectativa para nós. O ungido é aquele que tem uma missão. Somos especiais para Deus porque Ele nos deixa uma missão: como Ele quer que a graça alcançe o mundo, quer que sejamos os anunciadores, pela voz e pela vida, dessa graça.

 Somos especiais?  Se você é um pregador do evangelho da graça, você é especial. Neste caso, você está entre aqueles que têm uma unção que procede do Santo [Deus] (1 Jo 2.20). 

Jeú, quase segundo o coração de Deus

 

Jeú foi o único rei de Israel (Reino do Norte) ungido por ordem de Deus. Nem mesmo Jeroboão, o primeiro rei após a divisão entre Judá e Israel, foi ungido. O profeta Aias simplesmente rasgou em doze pedaços uma capa nova que trazia sobre si “e disse a Jeroboão: Toma dez pedaços, porque assim diz o SENHOR, Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino da mão de Salomão, e a ti darei dez tribos” (1Rs 11.31). E desde Jeroboão, nunca houve no Reino do Norte um só rei que permanecesse nos caminhos do Senhor. Todos eles praticaram o que era mau aos olhos de Deus. Quem mais aparentemente prometia ser um bom rei era Jeú, que "exterminou de Israel a Baal" (2Rs 10.28), mas ele também não se firmou por muito tempo, como veremos mais adiante.
Assim como o Senhor Deus levantou um grande homem para ungir Davi (1Sm 16.12,13), o profeta Elias foi comissionado pelo Senhor para a unção de Jeú (1Rs 19.16). Por razões desconhecidas Elias não realizou essa tarefa, designada pelo próprio Deus, e nem se sabe por que o Senhor o arrebatou (cf. 2Rs 2.11) antes que o profeta houvesse realizado tal missão. Coube a Eliseu executá-la, o qual, por sua vez, incumbiu um dos discípulos dos profetas para cumprir o mandado do Senhor (2Rs 9.1-6). Jeú era capitão do exército do rei Jorão, filho de Acabe, quando foi ungido rei de Israel (2Rs 9.5).
Jeú foi ungido rei por volta do ano 850 a. C., com o propósito de exterminar a casa de Acabe (2Rs 9.7-10), mandato que ele cumpriu à risca (2Rs 10.1-14,30). Contudo, a Bíblia relata: “Porém não se apartou Jeú de seguir os pecados de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel, a saber, dos bezerros de ouro que estavam em Betel e em Dã” (2Rs 10.29). E ainda: “Mas Jeú não teve cuidado de andar de todo o seu coração na lei doSENHOR, Deus de Israel, nem se apartou dos pecados que Jeroboão fez pecar a Israel” (2Rs 10.31). Bem diferente do que é dito a respeito de Davi: “Porquanto Davi fez o que era reto perante o SENHOR e não se desviou de tudo quanto lhe ordenara, em todos os dias da sua vida, senão no caso de Urias, o heteu” (1Rs 15.5).
Jeú teria sido um rei perfeito, por assim dizer, se não seguisse os passos dos reis de Israel. Por conseguinte, também seria um homem segundo o coração de Deus, como Davi (cf. At 13.22), se não se desviasse dos caminhos do Senhor. Davi também errou (2Sm 11), porém, ele se arrependeu profundamente de seus pecados, buscando com sinceridade a face do Pai (2Sm 12.13; Sl 32.1-5; 51); enquanto Jeú, que tinha tudo para ser um Davi do Reino do Norte, morreu em seus próprios delitos (2Rs 10.31).
Mas Deus, que é justo e misericordioso, reconhecendo o bom trabalho de Jeú, lhe fez promessas: “Pelo que disse o SENHOR a Jeú: Porquanto bem executaste o que é reto perante mim e fizeste à casa de Acabe segundo tudo quanto era do meu propósito, teus filhos até a quarta geração se assentarão no trono de Israel” (2Rs 10.30). O Senhor Deus fez do nome de Jeú a quarta dinastia mais duradoura do Reino do Norte. Jeú reinou vinte e oito anos em Israel (2Rs 10.36) e seus sucessores (do filho ao tataraneto) foram Jeoacaz, Jeoás, Jeroboão II e Zacarias (2Rs 13.1,10; 14.23; 15.8), conforme a promessa do Senhor. 
 
Pr Josivaldo Pereira 

O destruidor do povo de Deus

Oséias é o maior poeta do amor de Deus. Foi o único profeta escritor de Israel, o Norte. Por vinte anos (aproximadamente 750 a 730 a.C.), ele advertiu o povo de Deus do risco da destruição. Oito anos após sua morte, o Norte foi levado cativo e desapareceu. Ficou apenas Judá, o Sul. O Israel de Esdras, Neemias, Ageu, Zacarias, Malaquias e do Novo Testamento é o Judá retornado. O Israel de Oséias acabou. Foi destruído por falta de conhecimento.

“Porque lhe falta o conhecimento”, disse Deus. “Conhecimento”, aqui, não é erudição ou informação. Também não tem a ver com analfabetismo. O termo hebraico é daat, que significa “conhecimento íntimo, pessoal, profundo”, conhecimento relacional. Oséias viveu esta experiência em casa. Sua esposa, Gômer, o deixou. Tornou-se meretriz num culto pagão, que divinizava a natureza e tinha sacerdotisas prostitutas que se entregavam, no templo da Deusa, para trazer fertilidade à terra. Gômer não entendia o amor do marido. Ele a resgatou no templo pagão e a trouxe para casa. Ela não tinha daat e por isso destruía sua vida. Ela não o amava.

Muitos cristãos não têm daat. Amam seus gostos, não Deus. Gostam de festa, de culto com “fogo puro”, como dizia uma placa na porta de uma igreja (que tolice!) e de alarido. Mas a vida não mostra daat de Deus. Não exibe frutos de quem se relaciona com ele. Passando por Brasília, adquiri o “Jornal de Brasília” (28.5.12). A manchete era “Pregando na cadeia”, mas não alude a evangelismo na prisão. Alude à prisão do ex-deputado distrital Junior Brunelli, da famosa “oração da propina”, que correu pelo Youtube. Nela, o deputado agradecia o dinheiro vindo da corrupção, como sendo uma “bênção de Deus”. O ex-deputado e agora presidiário é pastor. Não me anima falar contra a igreja dos outros. Mas não me calo quando jogam o nome de Jesus na lama. Brunelli foi preso na “Operação Hofini”, nome do filho corrupto do sacerdote Eli. Ele também enlameou o nome de sua igreja. Com ironia, o jornal fala da igreja como sendo “propriedade da família de Brunelli”. Ela prega bênção e cura. Inclusive chama-se “Casa da Bênção”. Mas seu pastor não pregou caráter. Um crente em Jesus tem caráter.

O evangelho prega a transformação da pessoa. De alguém perdido a alguém salvo por Jesus, que mostra isso na vida. O evangelho não chama o convertido à riqueza, mas à santidade: “A vontade de Deus para vós é esta: a vossa santificação…” (1Ts 4.3). Os cristãos estão ouvindo mensagens mais para Lair Ribeiro que para Jesus Cristo. Assim, sobram-lhes palavras de ordem e lemas triunfais. E falta-lhes daat. Sem relacionamento pessoal e profundo com Deus, eles se destroem. E desonram a Jesus. Isto é o mais trágico. “Pois, como está escrito, por vossa causa o nome de Deus é blasfemado entre as nações” (Rm 2.24).

Busquemos daat, e não bênçãos. Bênçãos ele dá porque ele é bom. Caráter nós cultivamos. E devemos fazê-lo para honrá-lo com nossa vida.

Pr Isaltino Gomes

Rufo, era eleito? Em que sentido?

Quem é o Rufo de Romanos 16.13 a quem Paulo recomenda saudações dizendo: “Saudai Rufo, eleito no Senhor, e igualmente a sua mãe, que também tem sido mãe para mim”? Seria esse o mesmo Rufo filho de Simão Cireneu (o que foi forçado a carregar a cruz de Cristo) e irmão de Alexandre, mencionado pelo evangelista Marcos (Mc 15.21)? A tradição cristã corrobora com essa possibilidade e a maioria dos comentaristas bíblicos também não a descarta. Segundo Hendriksen, “a opinião popular, cuja data recua aos primeiros séculos, de que as duas fontes se referem ao mesmo indivíduo, é possível que seja correta. No entanto, não podemos ter certeza”.[1]

Embora não possamos afirmar com exatidão que o Rufo de Marcos 15.21 seja o mesmo de Romanos 16.13, também não há prova contrária de que não possa ser. De acordo com Bruce, Rufo é um “nome de origem itálica, e não tanto latina, encontrado por duas vezes no Novo Testamento (Mc 15.21; Rm 16.13), provavelmente referindo-se ao mesmo indivíduo”.[2] Marcos, que com toda probabilidade escreveu seu Evangelho em Roma para os romanos[3], menciona “Simão Cireneu… pai de Alexandre e Rufo” como se dissesse: “pessoas que vocês, em Roma, conhecem bem”.[4] Paulo, que também escreveu aos romanos, coincidentemente fala de um Rufo que se encontra em Roma.

Considerando que o Rufo de Marcos 15.21 é o mesmo de Romanos 16.13, por que Simão Cireneu não é citado por Paulo? E Alexandre? Não era este tão conhecido pela igreja quanto Rufo? Simão, um judeu do norte da África, possivelmente estava em Jerusalém para a festa da páscoa. Ali conheceu Jesus e toda sua família se tornou cristã. Quando Paulo redigiu sua carta aos romanos, Simão Cireneu devia estar morto, visto que se assim não fosse o apóstolo mencionaria o nome dele quando citou a mãe de Rufo.

Parece que Alexandre era o irmão mais velho de Rufo porque Marcos menciona o nome dele primeiro. Quão mais velho era Alexandre em relação a Rufo é impossível saber. Alguns comentaristas sugerem que Paulo não cita o nome de Alexandre em Romanos 16.13 talvez porque Alexandre já estivesse morto ou não fosse cristão. Prefiro os que dizem que Alexandre era cristão e que, provavelmente, não residia em Roma.

Paulo saúda Rufo com uma das mais belas declarações que um colaborador poderia receber do apóstolo dos gentios: “Saudai Rufo, eleito no Senhor…”. O que significa em Paulo ser alguém eleito no Senhor? Todos sabem que a doutrina da predestinação, ou eleição, é uma das preferidas de Paulo. Somente em sua epístola aos Romanos o apóstolo dedica três capítulos ao assunto (Rm 9-11). Com isso em mente, a Assembleia de Westminster (1643-1649) declarou em sua Confissão de Fé (III,vi): “Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo”.

Conquanto o conceito doutrinário da eleição seja mercante nos escritos de Paulo, e bem representado na Confissão de Fé de Westminster, ao que tudo indica não é esse o sentido (ou pelo menos não unicamente) do adjetivo “eleito” (ekléktos) em Romanos 16.13. “Eleito” aqui deve ser entendido mais como um título de honra, como o apóstolo faz com Epêneto, Amplíato e Apeles, entre outros, porque, no sentido doutrinário, o que Paulo diz de Rufo pode ser facilmente aplicado a todos os crentes em geral, e aos seus colaboradores de Romanos 16, em especial.

Geoffrey Wilson parece estar correto quando em seu comentário de Romanos 16.13 afirma: “’Eleito no Senhor’ não se refere à eleição para a salvação, pois esta é comum a todos os crentes; significa que ele [Rufo] era um cristão de destaque (cf. Denney: ‘aquele cristão extraordinário)”.[5]

Champlin segue o mesmo raciocínio de Wilson. Diz ele: Eleito “é palavra descritiva de Rufo. Neste caso, o mais provável é que tal vocábulo não deve ser compreendido em qualquer sentido técnico ou teológico, como ‘escolhido por Deus’, embora certamente isso também suceda no seu caso, mas antes, devemos compreendê-lo como uma espécie de sinônimo de ‘eminente’, isto é, distinguido por sua graça, por seu serviço e por sua especial elevação de caráter”.[6] Por conseguinte, a adição de “no Senhor” significaria que Rufo mostrava distinguir-se como crente em Cristo Jesus.[7]

Uma nota carinhosa e singela é a menção de Paulo à mãe de Rufo. A saudação do apóstolo não é dirigida apenas a Rufo, porém, “igualmente a sua mãe, que também tem sido mãe para mim”, diz o apóstolo. Essas palavras sugerem uma profunda afeição de Paulo pela família de Rufo. E esta senhora, com certeza bem idosa e provavelmente viúva na época, é lembrada pelo apóstolo Paulo como uma mãe para ele, por sua importância na vida e ministério dele, tratando-o como um filho seu. “Exatamente onde e quando foi que a mãe de Rufo se fez mãe de Paulo não sabemos. O fato é que aqui, como ocorre com frequência, o apóstolo uma vez mais prova que aprecia o que os membros femininos têm feito e estão fazendo por ele, pessoalmente, e pela igreja, para a glória de Deus”.[8]

Diante do exposto até aqui, a conclusão que chegamos sobre Rufo é que ele era um crente admirável; companheiro leal e um filho excelente. Não é por acaso que o apóstolo Paulo o denominou de “eleito no Senhor”. E você, caro leitor, como acha que Paulo o chamaria se ele vivesse nos dias de hoje?

[1] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 669. Itálico do autor.

[2] F. F. Bruce, Rufo. In: O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo, 2003, p. 1418.

[3] Cf. Guillermo Hendriksen, Comentário del Nuevo Testamento: El Evangelio Según San Marcos. Grand Rapids: SLC, 1987, p. 11-27.

[4] Idem, p. 656.

[5] Geoffrey B. Wilson, Romanos: Um resumo do pensamento reformado. São Paulo: PES, 1981, p. 218.

[6] R. N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo: Atos/Romanos. Vol. 3. São Paulo: Hagnos, 2002, p. 879. Veja também John Murray, The Epistle to the Romans. Grand Rapids: Wm. B. W. Eerdmans Publishing Co., 1987, p 231. Para um ponto de vista diferente, consulte Hendriksen, op. cit., p. 669.

[7] Ibidem.

[8] Hendriksen, p. 669,70.

Lições da vida de Gideão

INTRODUÇÃO

Gideão surge em Juízes 6.11. Seu nome significa “lenhador” ou “cortador”. Um sentido secundário é “guerreiro”. Surge amedrontado, escondido, sacudindo e limpando trigo. Um anjo o encarrega de libertar o seu povo. De medroso ele passa a libertador. Esta é a primeira lição que aprendemos de sua vida: sem Deus, os obstáculos são enormes. Quando Deus entra em nossa vida, tudo muda. Só o poder de Deus pode transformar radicalmente uma pessoa e todo o seu contexto. A presença de Deus numa vida faz diferença.

1. A SAUDAÇÃO DO ANJO

A vida de Gideão começa a mudar com a apresentação do anjo de Yahweh a ele: “Então, veio o Anjo do SENHOR, e assentou-se debaixo do carvalho que está em Ofra, que pertencia a Joás, abiezrita; e Gideão, seu filho, estava malhando o trigo no lagar, para o pôr a salvo dos midianitas. Então, o Anjo do SENHOR lhe apareceu e lhe disse: O SENHOR é contigo, homem valente” (Jz 6.11-12).

Duas expressões merecem atenção: (1) “O SENHOR é contigo” e “homem valente”. Nenhuma das duas parecia real. Não parecia que o SENHOR estava com Gideão e ele não era valente. Aprendemos algumas lições aqui:

(1) Deus nos vê a nós e a nossa realidade de maneira diferente da que vemos.

(2) Deus está conosco mesmo nos momentos em que não nos parece estar.

(3) Deus vê potencial em nós, potencial que nem nós mesmos enxergamos.

Somos pecadores, mas mesmo com os efeitos da Queda, somos imagem e semelhança de Deus. Temos potencial, arranhado pela Queda e maculado pelas nossas limitações. Mas a Graça (Graça é Deus vindo a nós) nos socorre e nos capacita para tarefas e missões que ele nos outorga.

2. A DÚVIDA E A RESPOSTA

Está em 6.15-16: “E ele lhe disse: Ai, Senhor meu! Com que livrarei Israel? Eis que a minha família é a mais pobre em Manassés, e eu, o menor na casa de meu pai. Tornou-lhe o SENHOR: Já que eu estou contigo, ferirás os midianitas como se fossem um só homem”. Ele externa sua dúvida e sua insegurança. Deus lhe responde que vai usá-lo. A lição aqui é esta: Deus usa os fracos. O mundo cultua o poder e a força. Deus usa os fracos para derrubar os fortes porque ele fortalece a fraqueza dos que usa. Há uma advertência aqui: enquanto foi fraca, a Igreja de Cristo foi poderosa. Quando passou a cultuar o poder e se aliou a ele, ela enfraqueceu. Muitos, na Igreja de hoje, querem a força política, social e econômica. A força da Igreja está no poder de Deus que age nela. Não confundamos as coisas e não amemos o poder humano e secular. Nem ambicionemos poder espiritual. Seja nosso desejo que a glória de Deus se manifeste em nossa vida.

3. ASPECTOS DA VIDA DE GIDEÃO

(1) No tanque de espremer uvas (6.11). Estava trabalhando Deus nunca chamou ociosos. Todas as pessoas que Deus chamou estavam trabalhando. Está correto o provérbio que diz: “Quer que algo seja bem feito? Entregue a quem está ocupado!”. Trabalho não é maldição, mas disciplina e processo pedagógico. O trabalho não foi efeito da Queda, mas surge no Éden, pois o homem foi posto no jardim para trabalhar (Gn 2.15).

(2) Os altares. Há dois altares na vida de Gideão. Um ele fez (Jz 6.22-24). A compreensão de quem é Deus nos leva a erigir altares. Compreender mais de Deus nos leva a cultuá-lo. Traz impacto, reverência, temor. Como em Isaías 6.5 e Lucas 5.8. Nunca percam a reverência. Sejam tementes a Deus e à sua Palavra. O outro altar ele derrubou: Juízes 6.25. A lição aqui: derrube altares dos deuses falsos que se instalam em sua vida (os deuses Dinheiro, Sexo, Poder) e levante um altar ao Deus de verdade.

(3) A porção de lã (Jz 6.36-40). Choca-se com Mateus 4.7? Não. A seriedade de sua missão, que seria a grande missão de sua vida, exigia dele muita certeza. Deus não se ofendeu. Ele conhece nossas limitações. Quando tudo lhe foi confirmado, Gideão não relutou: Juízes 7.1 ( “Então…”). A lição aqui: tem convicção de que a tarefa proposta vem de Deus? Entre com tudo!

(4) Na beira d’água (Jz 7.4-7). Deus queria uma minoria. Estranho! Nós nos impressionamos muito com massa, com multidão. A razão de Deus: Juízes 7.2. As advertências aqui: cuidado com o culto ao homem, cuidado com o culto à organização! Valorizamos técnicas e métodos porque são nossas ações. Chegamos a sacralizar alguns deles como se fossem divinos. O poder está com Deus e o sucesso vem dele. Cuidado com a vaidade!

(5) Sua recusa (Jz 8.22-23). Foi a primeira tentativa de Israel em ter um rei. Ele se recusou a ser rei. Opta pela teocracia e não pela monarquia. O espírito real por trás da monarquia: 1Samuel 8.19-20. É triste quando o povo de Deus quer ser clone do mundo ao invés de ser original. A lição aqui: cuidado com a tentação do domínio. O espírito cristão é de servo, pois este foi o espírito de Cristo (Mc 10.45).

(6) O desastre (Jz 8.27). Tudo aqui é uma lição. Cuidado com o poder religioso! Ele venceu o poder militar e a tentação do poder político, mas cedeu ante a tentação do poder religioso. Este é sutil e muita gente se rende a ele. Sejam auxiliares! Não se ensoberbeçam! Não se envaideçam!

CONCLUSÃO – UMA SÍNTESE DO CARÁTER DE GIDEÃO

Humilde (Jz 6.15), cauteloso (6.17), espiritual (6.24), obediente (6.27), estrategista (7.16-18), conciliador (8.1-3), leal a Deus (8.23), próspero (8.30-31). Parece, pela ordem dos eventos no texto bíblico, que sua prosperidade foi a consequência natural de uma vida dedicada e fiel, que Deus abençoou. Ela não foi sua motivação espiritual. Esta foi servir a Deus.

Gideão é um dos heróis da fé (Hb 11.32). Mas uma brecha o prejudicou. Cuidado com brechas em sua vida. Seja íntegro. Se, eventualmente, surgirem brechas, lembre-se que a Graça é maior que elas. Deus é bondoso e o socorrerá.

Pr. Isaltino Gomes

Uma Cristologia no livro dos Salmos

O Salmo 22 é chamado de “o salmo da cruz”. Normalmente pensamos apenas nos Profetas como anunciadores da vinda e do ministério do Messias, mas também os salmos testemunham dele com abundância de dados. O próprio Senhor Jesus assim declarou, em Lucas 24.44: “São estas as palavras que vos falei, estando ainda convosco, que importava que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”. É muito provável que Jesus empregasse a palavra Salmos referindo-se à terceira parte da Bíblia Hebraica, Os Escritos. Mas a passagem em tela ilustra bem a verdade que Jesus se viu nos Salmos. Aliás, uma observação de Agostinho, em um de seus comentários sobre os Salmos mostra isso. Ele se referiu a Jesus como “este admirável cantor dos salmos” [1].

Poucos textos do Antigo Testamento são tão realistas e detalhistas sobre a morte do messias de Deus, Jesus de Nazaré, como o Salmo 22. O relato é de profundo impacto. Basta dizer que Aage Bentzen, que não é conhecido propriamente por escrever estudos devocionais, mas sim artigos bem críticos, comentou sobre seu conteúdo: “não é a descrição de uma doença, mas, sim, a de uma execução” [2]. A Bíblia de Jerusalém comentou, em nota de rodapé: “ (…) Próximo do poema do Servo sofredor (Is 52.13-53.12) este Salmo, cujo início Cristo pronunciou sobre a cruz e no qual os evangelistas viram descritos diversos episódios da Paixão, é, portanto, messiânico, ao menos em sentido típico” [3].

Foi nela que Jesus buscou sua quarta palavra pronunciada na cruz e que é apresentada em Mateus 27.46: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.  Das sete palavras pronunciadas pelo Salvador, na cruz, esta é, sem dúvida, a mais sofrida. O sofrimento da cruz não foi acidental. Jesus se apropria de um escrito de quase um milênio antes de seu nascimento e cujo cumprimento, mais do que em qualquer outro, cabe muito bem nele. Valham-nos as palavras do pregador puritano Arthur Pink, em um sermão em Mateus 27.46:  “A palavra ‘desamparado’ é uma das mais trágicas do discurso humano. O escritor (parece-me ser ele, nota minha) não esquecerá facilmente sua sensação de ter passado por uma cidade deserta de todos os seus habitantes – uma cidade abandonada. Quantas calamidades cabem nesta palavra – um homem abandonado por seus amigos, uma mulher abandonada por seu marido, uma criança abandonada por seus pais! Mas uma criatura abandonada pelo seu Criador, um homem desamparado por seu Deus – ó, isto é o mais trágico de tudo”. [4]

Jesus proferiu o Salmo 22.1 em sua língua natal, o aramaico. Foi aqui que ele manifestou o maior de todos os seus sofrimentos: o Pai o abandonara. Ele, que antes dissera “eu estou no Pai, o Pai está em mim” (Jo 14.10), agora se vê desamparado pelo Pai. Aqui se pode ver o cumprimento de Gálatas 3.13, segundo o qual ele nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição em nosso lugar. O fato é que o sofrimento de Jesus é muito bem descrito aqui. O sofrimento físico, infligido ao seu corpo, é muito bem demonstrado nos versículos 14-16. “Os meus ossos todos se desconjuntam” mostram o efeito da crucificação e seu poder de desconjuntar o corpo humano.  “Meu coração está como a cera” é uma perfeita descrição de como o coração se sobrecarregava com a crucificação. Todo o corpo pendia dos braços, a respiração se tornava difícil e o trabalho de bombear o sangue, com escassez de oxigênio, se tornava um esforço enorme. Um artigo escrito por um pastor, médico, analisando a crucificação, põe esta situação em termos mais científicos: “Sofreu durante horas a fio a dor sem limites, ciclos de retorcimento, cãibras que desconjuntavam seus ossos, asfixia parcial e intermitente e dor ardente quando os tecidos eram arrancados de suas costas dilaceradas ao mover-se de baixo para cima contra o madeiro áspero da cruz. Então veio outra agonia: a dor profunda e esmagadora no peito quando o pericárdio, a membrana que envolve o  coração, começou a encher-se de soro e pressionava o coração. A profecia no Salmo 22.14 estava sendo cumprida: ‘Derramei-me como água, e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se-me dentro de mim’”. [5]

“Seco está o meu paladar, como um caco, e minha língua colada ao maxilar” (v. 15) é uma perfeita descrição da sede, produto da febre. É neste momento que ele expressa sua sede: “Tenho sede” (Jo 19.28). É neste momento que lhe dão vinagre (Jo 19.29), cumprindo-se, então, outro salmo messiânico e também de sofrimento, o 69, em seu versículo 21: “Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre”.

Ainda no contexto da dor física, o versículo 17 (na Bíblia de Jerusalém, mas 16 na Versão Revisada) traz um problema de tradução. Diz ele: “um bando de malfeitores me envolve, como para retalhar minhas mãos e meus pés”. O problema é com o verbo traduzido por “retalhar” (Bíblia de Jerusalém) ou “traspassaram” (na Versão Revisada – “traspassaram-me as mãos e os pés”). Citamos a Bíblia de Jerusalém, em rodapé, porque o Texto Massorético está incompleto e traz uma nota de rodapé declarando como a New International Version lê: karû. Diz a BJ: “‘Como para retalhar’: ke’erô (do verbo ‘arah), conj.; ‘como um leão’: ka’ari; hebraico, ininteligível; grego: ‘eles cavaram’; siríaca: ‘eles feriram’; Vulgata: ‘eles furaram’. A passagem recorda Isaías 53.5, mas os evangelistas não a utilizaram no relato da Paixão”.[6]

Além do sofrimento físico, houve o sofrimento moral. Pode parecer estranho, mas creio que este dói muito mais que o físico. É sabido que feridas emocionais e morais custam a cicatrizar muito mais lentamente que as físicas. Os versículos 12-13 (“Muitos touros me cercam; fortes touros de Basã me rodeiam. Abrem contra mim a sua boca, como um leão que despedaça e que ruge “) mostram algo deste sofrimento. Havia ódio, um profundo ódio. Que se nota, novamente, no versículo 16: “pois cães me rodeiam; um ajuntamento de malfeitores me cerca”. Parece haver na multidão uma atitude de ironia, de deboche ou desejo sádico de ver a morte de alguém: “eles  me olham e ficam a mirar-me” (v. 18).

Os seus despojos são repartidos, numa atitude de desprezo. Ainda não está morto, mas é tratado como se fosse, com a túnica sendo sorteada: “repartem entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica  lançam sortes” (v. 19). Este texto é cumprido em   Lucas 23.34. Os despojos de um criminoso eram o pagamento dos seus executores. Algo parecido com o que fazem os chineses, hoje: quando alguém é executado à bala, a conta da bala é encaminhada à família. A lei foi cumprida, mas a pessoa é tão inútil e danosa ao Estado que sua execução é cobrada.

Esta zombaria é muito bem mostrada nos versículos 6 a 8 : “Quanto a mim, sou verme, não homem, riso dos homens e desprezo do povo; todos os que me vêem caçoam de mim, abrem a boca e meneiam a cabeça: ‘Voltou-se a Iahweh, que ele o liberte, que o salve, se é que o ama!’” (Bíblia de Jerusalém). É o sarcasmo dos circunstantes ao pé da cruz, como se vê no relato dos evangelistas.

Há dois outros aspectos que são altamente relevantes, do ponto de vista profético e teológico, no corpo do Salmo 22. Do versículo 19 ao 22 vem o livramento e do 27 ao 31, a declaração de sua vitória. Mas sem deixar de ter estas idéias como fundamentais à nossa fé, importa que ressaltemos o testemunho profético do salmo messiânico, relatando o sofrimento necessário do messias. E algo importante: seu livramento e sua exaltação sucedem por causa do seu sofrimento. Ou seja, o sofrimento do messias está presente nos planos do Senhor.  Voltamos a este ponto: sofrer não significa  falta de fé e não indica ausência de confiança em Deus. O sofrimento faz parte do plano de Deus e está na raiz da redenção da Igreja.  E, mais uma vez, precisamos retornar a uma declaração do Senhor Jesus: “não é o servo maior do que o seu senhor. Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a minha palavra, guardarão também a vossa” (Jo 15.20). Não se pode pensar numa vida cristã sem sofrimentos, quando se reconhece que eles estão presentes na vida do próprio Salvador. E de tal maneira decididos que foram profetizados um milênio antes. O sofrimento de Jesus, o messias dos salmos, não foi acidental. Foi planejado e por isso profetizado. Pode o discípulo pretender não sofrer? Pode-se ver o sofrimento como estando fora do propósito divino? Temos direito de presumir uma vida de vitória.

UM RESUMO – Torna-se difícil fazer um resumo das observações do Salmo 22 pela vastidão da matéria. Mas pode-se sintetizar seu conteúdo nos seguintes termos: o caminho escolhido pelo messias é o do sofrimento. Não nos parece racional, a nós, no século XX, produtos da cultura ocidental e filhos intelectuais dos gregos que somos. Mas o caminho não é difícil de entender, à luz da cultura oriental: o pecado trouxe o sofrimento. Mas é o sofrimento que traz a redenção. Um homem carrega o mais intenso sofrimento para carregar o pecado da humanidade, para levantá-la e reconduzi-la a Deus, na trilha que seguia ela antes do pecado. Sofrimento não é, necessariamente, indício de abandono da parte de Deus nem falta de fé. Pode ser a pedagogia divina para que seus planos obtenham consecução. Pensar nisso se torna necessário, tamanha a ênfase no sofrimento do Messias como mostra o Salmo 22.

Pr Isaltino Gomes 

 


[1] GOURGUES, M. Os Salmos e Jesus – Jesus e os Salmos. S. Paulo: Edições Paulinas, 1984, p. 96.

[2] BENTZEN, Aage. King and Messiah. Citado por KIDNER, Derek, em Salmos 1-72 – Introdução e Comentário.S. Paulo:  Vida Nova e Mundo Cristão, 1980, p.  123. Conforme Kidner, o itálico é de Bentzen.

[3] Trecho da nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém, em comentário sobre o Salmo 22.

[4] PINK, Arthur. The Seven  Sayings of the Saviour on the Cross. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House. 1958, p. 65.

[5] Artigo  “A crucificação: uma descrição médica”, publicada no jornal Palavra da Fé, ano II, no. 4, março/abril de 1984, página 5. Não possuo mais dados do jornal, pois o que tenho é um recorte contendo o artigo usado.

[6] É o que traz o rodapé da Bíblia de Jerusalém, em comentário in loco, mostrando as variantes do texto. O hebraico não faz sentido e nem mesmo qualquer tradução pode ser entendida facilmente. A idéia é de mãos sendo rasgadas, possibilitando entender a crucificação. Isto torna o relato fantástico, posto que os hebreus desconheciam a morte por cruz. Os romanos a copiaram dos cartagineses e a disseminaram. Mas na época do Salmo 22, um milênio antes de Jesus, sua declaração foge ao limite da compreensão natural. Mais aspectos desta questão crítica aparecem em Kidner (op. cit.), p. 126 e em DELITZSCH, Franz, Biblical Commentary on the Psalms, vol. 1, ps. 317-320.