Category Archives: Reflexões

De onde veio a palavra “ladrão”?

Na antiguidade grega, o que chamamos de salário atualmente tinha o nome de látron, paroxítona, correspondente como derivada ao verbo latréo, que traduzimos por servir, donde nos vieram o culto de latria, que vem a ser adoração verdadeira a Deus e idolatria, que vem a ser a adoração às falsas divindades.

O látron era o salário devido às mercenárias e domésticas. Passando para os romanos, a tradução latro ficou significando o servo mercenário, o soldado, de modo geral, os que serviam a troco de estipêndio, de salário, de remuneração, certa ou fixa, fossem livres ou escravos.

Paulatinamente se foi operando uma corruptela do vocábulo, decorrente de um processo de decomposição que vinha afetar profundamente a ética da instituição. O caso é que nos exércitos romanos, a certa altura de sua história, os soldados foram-se tornando salteadores, à mão armada, pilhando tudo e tudo saqueando sem alma nem disciplina, pelo fato de lhes não pagar o governo imperial os vencimentos prescritos por lei. Chegara a todos os auges a desmoralização política romana, por obra e efeito da insídia do poder público. E a queda dos costumes, que haveria de levar ao abismo, entre outras tantas causas, o império romano, arrastou consigo na mesma queda desastrada a velha palavra látron.

O sentido dela de pronto se deixou contaminar das conjunturas históricas desagradáveis. Não mais aqueles latrones romanos (soldados ainda incorruptos do exército imperial) porém dali por diante aquilo que ficou traduzido em vernáculo pelo termo ladrão, que os dicionários registram e definem.

Pr Marcelo Oliveira

 

Comparando a vida cristã c/ a voz média grega

Desde o tempo de seminário que gosto mais de Hebraico que de Grego, embora este seja mais fácil. Mas ultimamente dediquei-me um pouco mais ao Grego, para fazer algumas leituras.

Por isso, prestei atenção num trecho do livro O pastor contemplativo, de Eugene Petersen. Ele me é uma espécie de guru. Respeito-o muito e sempre aprendo dele. Neste livro, ele tem um capítulo sobre a voz média, no Grego. Não se preocupe! Não serei mais confuso que o habitual.

Em Português não há o correspondente à voz média. Há a voz ativa (cometo a ação) e a passiva (sofro a ação). Na voz média, “participo ativamente de uma ação  que outra pessoa inicia”.

Ele compara a vida cristã com a voz média grega. Diz ele: “Não manipulamos a Deus (voz ativa) nem somos manipulados por Deus (voz passiva). Somos envolvidos na ação e participamos de seus resultados, mas não a controlamos nem a definimos (voz média)”.

Deus não impõe a vida cristã sobre nós. Ele não nos empurra um pacote pela goela. Diz 1Timóteo 2.4: “Ele quer que todos sejam salvos e venham a conhecer a verdade”. Nem todos se salvam nem conhecem a verdade. Muitos se perdem: “A porta estreita e o caminho difícil levam para a vida, e poucos encontram esse caminho” (Mt 7.14). Ele não salva ninguém contra sua vontade. Ele não nos impõe sua vontade. Não somos fantoches com ações sem valor moral.

Nós não impomos lhe nossa vontade. Isso de ordenar, declarar e reivindicar não soa sadio. Jesus ensinou a pedirmos a vontade de Deus: “Que a tua vontade seja feita aqui na terra como é feita no céu!” (Mt 6.10).  Declarar e ordenar são arroubo infantil de quem desconsidera a Bíblia. É um baixo conceito de Deus. Jesus se submeteu à vontade do Pai: “Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice de sofrimento! Porém que não seja feito o que eu quero, mas o que tu queres” (Mt 26.39).

Vida cristã é vida partilhada com Deus. Ele não nos obriga e não o forçamos. Na vivência diária  amadurecemos espiritualmente. Conhecemo-lo mais, buscamos agradá-lo, ele nos esclarece e mostra que muitos de nossos “desejos espirituais” são, na realidade, mundanos, e submetemos à sua vontade. É o que diz Romanos 12.2: “Não vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim vocês conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável a ele”.

Belo exemplo da voz média. Não somos agentes do processo. Nem sofremos abuso espiritual. Vivemos com ele, somos transformados por sua Palavra, e nos ajustamos espiritualmente.

Há gente na voz ativa: quer mandar em Deus. Confunde-o com energia cósmica. Há gente passiva. Espera que Deus faça tudo. Voz média é isto: nós e Deus  andamos juntos, e o que ele começa em nossa vida recebe nossa participação.

Pr Isaltino Gomes

 

 

De onde surgiu a palavra “cosmético”?

Havia na Grécia mais remota os kosmetés, isto é, funcionários encarregados de dirigir e educar os jovens. Com o tempo, o nome se estendeu ainda aos camareiros, criados de quarto incumbidos da higiene de seus senhores, sendo a missão atribuída, entre as damas, a outras damas cabeleireiras, pois as cabeleireiras sempre foram objeto de muito cuidado e sérios zelos, não só da parte de mulheres como de homens.

Sabe-se que cabelos curtos ou raspados eram sinal de inferioridade e de escravidão. Assim, a palavra kosmétes entrou no vocabulário helênico para nos dizer de todo aquele que ordena, organiza, embeleza, seja serviçal ou armador.

Ora, sabemos o que quer dizer cosmético entre nós. Os dicionários informam que são ingredientes com que se procura a beleza da pele e dos cabelos. Positivamente grego o vocábulo e quase inalterável o seu sentido até nós, tão constantes que são através dos séculos os cabeleireiros e a vaidade humana. Mas não é tudo. Se vamos adiante, encontraremos um fato lingüístico muito curioso.

As ideias de cosmético, cabeleireiro [a], adorno, enfeite vão entrar em íntima relação com outro vocábulo que nada nos diz acerca do segredo de sua origem. Refiro-me a palavra Cosmos. Primitivamente, Cosmos não era esse Universo, diante do qual os filósofos cismam, os cristãos meditam, os poetas sonham. Kôsmos era o vestuário das mulheres atenienses, incluindo-se nele todos os adornos e jóias e adereços e feitiços dos seus famosos guarda-roupas. Portanto, Cosmos e Cosmético nasceram de um tronco comum relacionados com a elegância e a beleza femininas. Vaidade nos cabelos e vaidade nos vestidos. Aliás o vocábulo Kôsmos não se restringe a sinônimo de universo, mas também ainda o sentido de ordem, decência, conveniência, constituição (no grego atual), enfim coisa perfeitamente organizada. Figuradamente conserva, como vestígio de sua origem, as acepções crescentes de adereço, honra e glória.

Pr. Marcelo Oliveira

Uma oração sem sentido

“Disse-lhe Felipe: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta. Respondeu-lhe Jesus: Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheces, Felipe? Quem me viu a mim, viu o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (João 14.8-9).

Um corinho muito cantado em algumas igrejas diz: “Quero te ver, quero te tocar… revela-te a mim… conhecer-te eu quero mais”. Sua música é envolvente e sua letra expressa um desejo de mais profundidade espiritual. Seu conteúdo se assemelha muito com o pedido de Felipe. “Mostra-nos o Pai”, disse ele. O pedido deste discípulo manifestava um desejo sincero, como o de muitos crentes, o desejo de ter um relacionamento mais profundo com Deus. Isto é saudável. Mas o pedido não faz sentido. Ninguém pode ver o Pai, como ele disse a Moisés: “E disse mais: Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum pode ver a minha face e viver” (Êx 33.20). No Novo Testamento lemos: “Ninguém jamais viu a Deus” (1Jo 4.20-a). O pedido pode ser sincero, mas não faz sentido.

Quem queira ver a Deus deve olhar para Jesus. É nele que vemos Deus. Recebi um e-mail falando sobre as manifestações da presença de Deus. Uma mensagem bem elaborada, dizendo que Deus está na natureza, no sorriso de uma criança, num gesto de amor. Isso é panteísmo. Deus não está nas coisas. Não está na natureza, nem no sorriso de uma criança, nem num pôr-do-sol, embora estas coisas sejam bonitas. Evitemos teologizar com base no sentimentalismo. Deus está em Cristo: “Deus estava em Cristo…” (2Co 5.19). É em Cristo que vemos Deus. Dele, com muita propriedade, Paulo disse: “o qual é imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). “Imagem” é o grego eikon, que tinha também o sentido de “espelho”. É uma figura muito preciosa. Quando Deus olha no espelho há um rosto nele, o de Jesus. Quando Jesus olha no espelho, há um rosto nele, o de Deus. Jesus é Deus.

“Quem me viu a mim, viu o Pai”, disse Jesus. O Deus eterno se manifestou em Jesus, e não vai se manifestar de outra maneira. Não adianta pedir “manifesta-te a mim”. Ele se manifestou ao mundo por meio de Jesus Cristo: “e que agora se manifestou pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual destruiu a morte, e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho” (2Tm 1.10). Ninguém espere uma manifestação especial de Deus. Ele escolheu Jesus e se manifestou ao mundo pela segunda pessoa da trindade. Podemos ter uma experiência mais profunda com ele, na adoração, mas ele já se manifestou, e fez isto em Jesus de Nazaré.

“Quem me viu a mim, viu o Pai”. Quem queira encontrar Deus precisa saber que ele está em Jesus, que ele se manifestou em Jesus, que é em Jesus que vamos encontrá-lo. Sem Jesus pouco saberemos sobre Deus. Teremos a revelação natural, a revelação no Antigo Testamento e a revelação na consciência, mas as três são incompletas e parciais. Em Jesus está a revelação climáxica de Deus: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez também o mundo; sendo ele o resplendor da sua glória e a expressa imagem do seu Ser…” (Hb 1.1-3)

É em Jesus que Deus se manifestou definitivamente. Nele, Deus deu sua última palavra revelacional. Cuidado com o sentimentalismo como substituto da revelação final pelo Filho. Quem seja como Felipe, querendo ver o Pai, que olhe para o Filho. O Pai está nele.

Pr. Isaltino Gomes

Elifaz, Bildade e Zofar – Quem é você?

Os três amigos de Jó eram idosos (Jó 32.6) e mais velhos que Jó (15.10), mas parece que o mais velho de todos era Elifaz. Seu nome aparece primeiro e, ao que parece, o Senhor o considerava o membro mais velho do trio (42.7). É associado a Temã, um lugar conhecido por sua sabedoria (Jr 49.7). Elifaz baseou seus discursos em duas coisas: nas próprias observações acerca da vida(“segundo eu tenho visto”, “Bem vi eu” – Jó 4.8; 5.3, 27) e numa experiência assustadora que teve certa noite (Jó 4.12-21). Elifaz confiava muito na tradição (Jó 15.18,19), e o Deus que ele adorava era um Legislador rígido.

“Acaso, já pereceu algum inocente?” (Jó 4.7), perguntou ele, e incontáveis mártires poderiam dizer: “Nós”! (Que dizer do Senhor Jesus Cristo?). Elifaz possuía uma teologia inflexível que não deixava muito espaço para a graça de Deus.

É bem possível que Bildade fosse o segundo mais velho, uma vez que seu nome aparece em segundo lugar e ele fala depois de Elifaz. Pode-se descrever Bildade com uma só palavra: legalista. Seu lema era: “Eis que Deus não rejeita o íntegro, nem toma pela mão os malfeitores” (Jó 8.20). Era capaz de citar provérbios antigos e, assim como Elifaz, tinha profundo respeito pela tradição. Bildade estava certo de que os filhos de Jó eram pecadores (vv. 4). Não demonstra sensibilidade alguma pelo amigo sofredor.

Zofar, era o mais jovem dos três e, sem dúvida, o mais dogmático. Fala como um diretor de escola dirigindo-se a uma turma de calouros ignorantes. Sua abordagem insensível é: “Sabe, portanto”! (Jó 11.6; 20.4). Não se mostra de modo algum, um homem misericordioso e diz a Jó que, tendo em vista seus pecados, Deus o estava fazendo sofrer muito menos que merecia (Jó 11.6).

Seu lema era: “Porventura, não sabes tu que desde os tempos […] o júbilo dos perversos é breve e a alegria dos ímpios momentânea?” (Jó 20.4,5). É interessante observar que Zofar só se dirige a Jó em duas ocasiões. Ou ele decidiu que não era capaz de refutar a argumentação de Jó, ou considerou uma perda de tempo tentar ajudar o amigo.

Algumas das palavras desses três homens são boas e verdadeiras, enquanto outras são insensatas. De qualquer modo, por terem uma visão restrita, não puderam ajudar o amigo. Sua teologia não era vital nem vibrante, mas morta e rígida, e o Deus que tentaram defender era pequeno o suficiente para ser compreendido e explicado.

Por que alguém faria a um amigo do modo como esses três homens falaram a Jó? Por que estavam zangados? Encontramos uma pista nas palavras de Jó: “Assim também vós outros sois nada para mim; vedes o meu sofrimento e vos espantais” (Jó 6.21).  Esses três homens estavam com medo de que as mesmas calamidades acontecessem com eles! Portanto, precisavam defender seus pressupostos de que Deus recompensa os justos e castiga os perversos. Enquanto fossem justos, nada de mal lhes aconteceriam nesta vida.

O medo e raiva muitas vezes andam juntos. Ao afirmar sua integridade e se recusar a dizer que havia pecado, Jó abalou a teologia dos seus amigos e tirou deles sua paz e confiança, o que, por sua vez, os deixou zangados. Deus usou Jó para destruir a teologia superficial desses homens e desafia-los a aprofundar-se no coração e na mente do Senhor. Infelizmente, preferiram o superficial e seguro ao invés do profundo e misterioso.

Elifaz, Bildade e Zofar têm vários discípulos hoje. Sempre que encontram uma pessoa que se sente obrigada a explicar tudo, que tem uma resposta pronta para todas as perguntas e uma fórmula fixa para resolver todos os problemas, voltamos ao monturo como Jó e seus três amigos. Quando isso acontecer, devemos nos lembrar das palavras do psicólogo suíço, Paul Tournier:

Ansiamos quase sempre por uma religião fácil, simples de compreender e simples de seguir; uma religião sem mistérios, sem problemas insolúveis, sem dificuldades inesperadas; uma religião que nos permita escapar de nossa condição humana miserável; uma religião na qual o contato com Deus nos poupe de todo conflito, toda incerteza, todo sofrimento e toda dúvida; em resumo, uma religião sem a cruz”.

Pr Marcelo Oliveira

Bibliografia: Wiersbe, Warren. Comentário Expositivo. Geográfica Editora.

Terrier, Samuel. Jó. Editora Paulus.

 

 

Uma mulher anônima

INTRODUÇÃO

A Bíblia não cita o nome da esposa de Ló. Segundo a tradição hebraica era Edite. Bíblia: anônima. Esclarecedor. Não ter nome é ser pessoa opaca. Em Rute: o personagem que deveria comprar o terreno de Elimeleque e não o faz, é chamado de “Fulano” (Rt 4.1). “Edite” é a mulher que jogou a vida fora. Conhecemos a história. Fiquemos com as partes que dizem respeito à sua atitude. E que nos admoestam. Em que ela nos ensina?

1. A TRISTEZA DE NÃO CRER NA ADVERTÊNCIA DIVINA – Gênesis 19.14-16

Os genros pensaram que Ló estava brincando. Dela, nada se diz. Somente ele creu na advertência divina. Mas mesmo assim, se demorou. Se ela levasse a sério, tê-lo-ia ajudado e teria ido com ele. Tudo indica que a família de Ló não cria. Incluindo aí a esposa. Esta é a lição: vira o que Deus fizera (Gn 19.10) e não levara a sério. Há crentes que não levam Deus a sério. Não levar Deus a sério é problemático. Vida cristã não são apenas bênçãos. Há exigências. E devem ser acatadas.

2. A TRISTEZA DE DESOBEDECER À ORDEM EXPRESSA DE DEUS – Gênesis 19.17, 26

“Estátua”. O hebraico é nisab, “pilar”, “pilastra”. Talvez tenha sido soterrada por um bloco de sal, liberado pelas explosões vulcânicas. Um texto aramaico diz que ela era natural de Sidom e quis ver o que acontecia com sua região. Não se livrou do passado. Não olhou o futuro que Deus lhe oferecia. Lembra o crente que tem saudades do mundo e não olha para o futuro que Deus lhe dá.  Não tenha saudade de onde Deus o tirou. Olhe para o futuro e suas promessas. A ordem de Deus é para frente; não para o passado.

3.  A TRISTEZA DE VIR A SER MODELO DO DESCUIDO ESPIRITUAL – Lucas 17.28-32

Jesus a usou como exemplo de pessoa imprudente e espiritualmente descuidada. É um modelo negativo. Não devemos ser negligentes com nossa vida espiritual. Nem apaixonados por este mundo. Ele e suas paixões passam, e só sobrevivem os fiéis: 1João 2.17. O autor de Hebreus recomenda nunca recuar: Hebreus 10.38-39. Elias advertiu Israel sobre coxear entre dois pensamentos: 1Reis 18.21, e Jesus disse que não podemos servir a dois senhores (Mt 6.24).

CONCLUSÃO

A mulher de Ló nos lembra um dos hinos do CC: “Tão perto do reino, mas sem salvação”. Chegou a sair de Sodoma, mas morreu no meio do caminho. Como os hebreus, que saíram do Egito e morreram no deserto. Quanta gente começa a caminhada e não a conclui! A mulher de Ló é solene admoestação: nada de olhar para trás! Deus tem um futuro glorioso para nós, e não uma morte pelo meio do caminho.

Pr. Isaltino Gomes

Tomé e a manifestação da verdadeira fé

“Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos seus condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele” (João 11.16).

Poucas palavras expressam um compromisso tão grande como estas de Tomé. Jesus insiste em retornar a Judéia (11.7). Seus discípulos tentam dissuadi-lo (11.8), mas ele se mantém irredutível. É quando Tomé concita os demais a irem, mesmo que seja para morrer com ele.  Verdade é que, como os demais, acabou fugindo (Mt 26.56). Mas recuperou-se, gastou sua vida na obra missionária, e morreu como mártir. Desta maneira, sua fala não foi retórica. Ele foi para morrer por Cristo. Cumpriu o que disse.

Tomé nos mostra como se manifesta a verdadeira fé. Vemos hoje uma fé infantil, em que as pessoas buscam apenas bênçãos, reivindicam, declaram, mas nao se comprometem a ponto de mostrarem-se dispostas a morrer por Jesus. Isto nos deixa com cristãos imaturos, que não se engajam e vêem o cristianismo apenas como algo por receber de Deus.

Jesus censurou uma multidão que o seguia por causa dos pães: “Em verdade, em verdade vos digo que me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes do pão e vos saciastes” (Jo 6.26). São os cristãos “Enche minha barriga, Senhor!”. Hoje vemos seus parentes: “Enche-me de bênçãos, Senhor!”. São cristãos que não amam ao Senhor, apenas suas bênçãos. Mas a essência da vida cristã é o amor a Deus, não às suas bênçãos!

Assim diz Mateus 10.37-40: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”. Isto é vida cristã! Como é significativa uma das linhas do hino 62 do HCC: “Eu te amo na vida e na morte também!”. A verdadeira fé é aquela que ama ao Senhor, em qualquer circunstância, independente do que ele nos dê. Ele já deu, e muito, no Calvário: o perdão dos pecados, a adoção de filhos, a vida eterna. Um amor tão grande merece uma fé grandiosa, como a de Tomé, que mostre que estamos dispostos a morrer por ele. Mas, quantos dos cristãos infantis que seguem a Jesus por causa de bênçãos, estariam dispostos a morrer por ele? Porque uma coisa é amar as bênçãos, e outra é amar o Senhor das bênçãos.

Conta-se a história de uma louca que carregava em uma das mãos um balde com água, e na outra um archote aceso. Quando lhe perguntavam o porquê de tão estranha bagagem, ela respondia: “Com esta água, eu queria apagar o fogo do inferno, e com este fogo incendiar o céu. Para que Deus fosse amado pelo que é e não temido ou amado pelo que pode fazer por nós”. De louca a mulher não tinha nada. Pelo contrário, até nos ensina uma lição: devemos estar dispostos a amar o Senhor até à morte, se preciso for. Pelo que ele é, e não por suas bênçãos.

Esta é a verdadeira fé, a que não faz de bênçãos a sua força motriz, mas que se origina no autêntico e sincero amor a Deus. Que cada um de nós tenha a coragem de Tomé, de caminhar com o Senhor em qualquer circunstância. Mesmo se for para o sofrimento. Até para a morte. Jesus merece nossa lealdade.

Pr Isaltino Gomes

Vende-se!


Todos nós já vimos uma tabuleta com esta inscrição por sobre um veículo, nas páginas de um jornal, em frente a uma casa ou terreno, etc., etc. Desde tempos imemoriais o homem compra e vende, vende e compra.
Jesus referiu-se ao excesso de negócios que eram realizados no tempo de Noé, numa antevisão dos últimos dias, os quais certamente já começamos a viver.  Compra-se e vende-se por toda parte. Em todos os lugares. Por todos os meios. Para todas as pessoas. Em todo o tempo.  Existem algumas coisas que nunca deveríamos comprar. Outras, que jamais deveríamos vender. Com certeza, temos tristes lembranças em ambas as direções.
Vizinho ao palácio do rei Acabe, de Samaria, havia um magnífico terreno, que o jizreelita Nabote herdara de seus antepassados e conservava com desvelo.  A propriedade  situava-se contígua ao palácio do rei, que a observava com frequência. Primeiramente, a observou. Depois, a apreciou. E, finalmente, a cobiçou.
 Certo dia o monarca encontrou-se com Nabote e lhe propôs um negócio vantajoso: trocar aquela vinha por uma horta, bem melhor, ou o rei lhe pagaria o preço certo.
Só que não havia uma placa na frente da vinha – VENDE-SE. O jizreelita ignorou as vantagens reais e foi direto ao assunto: Minha vinha não está à venda. Afinal de contas, era uma herança e pessoas sábias não vendem sua herança. Nabote detetou alguns pontos negativos na proposta do rei Acabe.
 Número um: a lei mosaica proibia o rei de comprar propriedades particulares.
 Número dois: o rei propös trocar uma vinha por uma horta e isso é potencialmente um mau negócio.
 Número três: o rei compraria por dinheiro e embora náo dissesse por quanto, Nabote sabia que o dinheiro se vai facilmente, enquanto as heranças são permanentes.
Número quatro: Uma herança que vinha há gerações precisava ser mantida e Nabote certamente pensou em seus filhos e netos, que m ereciam desfrutar daquilo que ele mesmo experimentava.
Quando o rei declarou a Jezabel que Nabote rejeitara sua proposta a ímpia, a temperamental rainha planejou a morte do dono da vinha e levou o rei a dela se apoderar.
Nabote pagou com sua vida o preço de sua fidelidade. Mas Acabe e Jezabel foram punidos por Deus pela tragédia que causaram. Como se usa dizer há séculos, o crime jamais compensa.
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   Acabe é um símbolo de Satanás, que náo deseja que os santos filhos de Deus desfrutem a herança que o Pai celestial lhes tem dado.
As vezes o Inimigo propõe a troca da herança e sempre por algo interior. Ou então oferece bastante dinheiro para adquiri-la.
 As Escrituras Sagradas são nossa primeira herança. Definitivamente náo podemos substitui-la. Ela é nosso leite, nosso pão, nossa espada, nossa lâmpada, nosso martelo e nosso espelho.
 Outra grande herança é nossa salvação. Nada pode ocupar o seu lugar. Ela é totalmente inegociável. Ela nos assegura o direito de entrarmos no Céu e lá vivermos eternamente. Ela alterou nossa condição  de miseráveis pecadores e nos conferiu o status de príncipes espirituais.
Nossa herança inclui a fé, o batismo com o Espírito Santo, os dons espirituais e a esperança da volta de Cristo, elementos que náo possuem preço para negociação na Bolsa de (falsos) Valores de Satanás.
Os ministros de Deus não devem negociar sua chamada, nem sua vocação, nem seu ministério. Muitos o compartilham hoje com atividades contrárias à forma de viver dos eleitos de Deus. Outros repartem o tempo devido ao púlpito sagrado com as cadeiras onde se assentam escribas e fariseus modernos.
Nabote náo pode morrer. Precisamos vë-lo e të-lo entre nós. Que Acabe se acabe, e Nabote permaneça.  Nossa vinha tem produtos celestiais que a horta de Acabe não cultiva.
Toda a fortuna de Acabe náo é suficiente para comprar um metro de terra da nossa fazenda-herança, que é incorruptivel e incontaminavel e não se pode murchar, como afirma a Escritura.
Povo de Deus, mantenhamo-nos em estado de alerta. Nossa herança não está à venda. Por favor, se alguem encontrar essa placa por aí, ajude a retirá-la.
Cuidemos de guardar para as futuras gerações o que as que nos precederam nos legaram: a bendita herança do Senhor.
Pr Geziel Nunes Gomes

Síndrome de Raquel – Jr 31.15

 Síndrome é um conjunto de sintomas que caracterizam uma doença, física ou psicológica.  Usa-se, figuradamente, como sinônimo de características de uma situação ou momento. Dito isto, vamos ao texto. Raquel é Jerusalém. Jeremias vê a cidade como uma mulher chorando a morte dos filhos. Jerusalém chorando a morte de seus filhos e dos que iriam para o cativeiro. A cidade-mulher não quereria consolo. Os filhos não existiam mais.

É neste sentido que uso a palavra síndrome. Há pessoas que não querem consolo. Parecem sofrer de vitimismo. Já lidei com tantas ovelhas assim! Por mais que se mostre na Bíblia que Deus está no controle, por mais terno e amigo que se seja, por mais que se ore, a pessoa faz questão de cultivar sua dor. Quer ser vista como uma coitadinha, como uma sofredora. Quer piedade e não conforto. O sofrimento é uma necessidade para essas pessoas porque então todos ficam com peninha, não a censuram, não a criticam. A dor é uma proteção para elas.

Síndrome de Raquel é aquela atitude do crente que gosta de chorar miséria e alardear a necessidade de compaixão. É a atitude do crente que espera que todos se compadeçam dele. Crentes assim, além de evidentemente doentes, são um problema para o pastor. Alugam-no. São vampiros emocionais. Sugam toda a energia do pastor, sempre esperando atenção especial, mais que qualquer outro. Tive uma ovelha que era um vampiro emocional. Todos os dias eu devia lhe dedicar uma hora do meu tempo. Eu era o melhor pastor do mundo. Mas um dia precisei atender um irmão que perdera a esposa e logo depois perdera a mãe. Não pude dispensar atenção ao vampiro. Foi um deus-nos-acuda. Passei a ser o pior pastor do mundo. Aliás, muitos membros de igreja são assim. Quando o pastor se recusa a ser manipulado ou usado por elas, torna-se uma pessoa horrorosa.

Todos sofremos. Raquel, a cidade-mulher, sofria. Mas Deus fizera uma promessa: “Assim diz o Senhor: Reprime a tua voz do choro, e das lágrimas os teus olhos; porque há galardão para o teu trabalho, diz o Senhor, e eles voltarão da terra do inimigo” (Jr 31.16). Deus diz para Raquel parar de chorar. Ele aceita o choro, mas não aceita a recusa do conforto.

Não ame a sua dor. Não seja um vampiro emocional do seu pastor ou da sua igreja. Por maior que seja seu sofrimento, Deus está atento, e diz para aceitar o consolo. Quer consertar sua vida. Não o impeça. É sua ordem que os pastores consolem o povo: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai benignamente a Jerusalém, e bradai-lhe que já a sua malícia é acabada, que a sua iniqüidade está expiada e que já recebeu em dobro da mão do Senhor, por todos os seus pecados” (Is 40.1-2). Aceite o conforto, enxugue as lágrimas e, em vez da tática do vitimismo, adote a tática do “Recebi em dobro e está na hora de refazer a vida”.

Síndrome de Raquel, não! Levantar a cabeça e recompor a vida, sim! Os eternamente queixosos afugentam as pessoas ao seu redor. E, o que é pior, afugentam a própria vida. Vamos viver!

Pr Isaltino Gomes

Simão, o cireneu – Lucas 23.26

Jesus estava esgotado. Ele havia suportado vários julgamentos sem dormir, além de açoites impiedosos e todo o tipo de abuso. Agora, devido a uma tradição romana, ele tinha de carregar sua própria cruz, ou no mínimo parte dela, até o lugar da execução. Ele parece haver tropeçado sob o peso da cruz. Na verdade, nenhum dos evangelistas menciona esse fato, mas a tradição cristã, sim.  Talvez isso explique por que os soldados lançaram mão de Simão de Cirene transferindo a cruz para seus ombros, forçando-o a carregá-la. A igreja sempre honrou Simão por esse ato de bondade, embora ele tenha sido forçá-lo a fazê-lo.

 

Parece claro que Simão e sua família se converteram a fé cristã, pois Marcos o identifica como “pai de Alexandre e Rufo” (Mc 15.21), o que indica que eles eram bem conhecidos da igreja de Roma quando o evangelho de Marcos chegou ali.  “Simeão, chamado Niger [negro]”, líder na igreja de Antioquia, talvez tenha sido o mesmo homem (At 13.1), e Rufo e sua mãe, que Paulo saudou em Roma (Rm 16.13), bem podem ser a mesma família. Tudo isso sugere que o Simão que carregou a cruz de Jesus foi um negro africano de uma localidade hoje chamada Líbia.

É interessante refletir como três dos principais atores no drama da paixão estavam relacionados à cruz. Poderíamos dizer que Judas causou a cruz, porque a sua traição está diretamente ligada a ela; Barrabás escapou da cruz, ganhando a liberdade à custa da de Jesus; e Simão carregou a cruz, fazendo isso por Jesus. Além disso, esses três personagens são compatíveis com a experiência cristã hoje. Assim como Judas, temos causado a cruz por meio da nossa cobiça e hipocrisia. Como Barrabás, escapamos da cruz por meio daquele que morreu em nosso lugar. E como Simão, somos chamados a tomar a nossa cruz todos os dias e seguir a Cristo.

Pr Marcelo Oliveira

Bibliografia:  Stott, John. A Bíblia Toda, Ano Todo. Ed. Ultimato