A Qeri’at Torah

A Qeri’at Torah é precedida e seguida de duas bençãos próprias. A primeira oração: “Sê bendito, Senhor, nosso Deus, rei do universo, que nos escolheste entre os povos e nos deste a Torá. Sê bendito, Senhor, que nos deste a Torá”.  O texto da segunda oração é: “Sê bendito, Senhor nosso, rei do universo, que nos deste a Torá da verdade e plantaste em nosso meio a vida eterna. Sê bendito, Senhor, que nos dá a Torá”.

Com estas bençãos o judeu fiel proclama a Deus como noten há-Torah, dando/doando a Torá. O participio presente (noten há-Toráh) quer esclarecer a continuidade da ação de falar e revelar de Deus, cujo âmbito não é mais nem o passado nem o futuro, mas hic et nunc (aqui e agora). Participando das leituras das sinagogas é como se o fiel hebreu anulasse a distância temporal e se tornasse presente à aliança do Sinai, quando Deus entregou a Moisés a Torá.

Além de afirmar que a Torá é de origem divina, as duas bençãos afirmam a qualidade de seu conteúdo e sua finalidade – ela é definida como Torat ‘emet (Torá da verdade) e sua finalidade é de conceder hayye ‘olam (a vida eterna). A “verdade” na Bílbia, mais do que um predicado ou de uma ideia (mais ou menos falsa) é o predicado de uma pessoa ou de um objeto: se é mais ou menos forte. O radical ‘emet é ‘mm que significa ser forte/ser estável, tanto no sentido passivo (estar em pé) como no ativo (manter-se em pé).

A propósito, algumas referências bíblicas podem ser elucidativas. No 2º livro dos Reis 18.16 fala-se das colunas do templo como ‘omenot (estruturas que sustém) e no 2º livro de Samuel 4.4 fala-se da babá como ‘omen, literalmente: “quem carrega nos braços e é capaz de garantir cuidados maternos”. Qualificar a Torá como ‘emet significa afirmar seu valor existencial: ela, como as “colunas” do templo, sustenta a vida e como as mãos da mãe doa e enriquece a vida.

Torat ‘emet, a Palavra de Deus é dada ao homem para que lhe abra hayye ‘olam, a vida eterna. Poucas expressões foram tão mal compreendidas e interpretadas como essa pela tradição cristã. O termo ‘olam (eternidade), na Bíblia, não se opõe ao tempo histórico, mas constitui seu conteúdo e plenitude. Para ela, a “vida eterna” não é aquela que vem depois da morte, mas aquela que, superando sua vaidade exterior e cronológica, faz desabrochar toda sua beleza e sentido. Não é sem razão que, de acordo com alguns autores, o radical de ‘olam é ‘lm, que significa esconder e por isso ‘olam significaria propriamente “tempo oculto”, “tempo escondido”. A vida eterna é a vida tomada na sua profundidade “oculta”, que a sustém contra aquela puramente material, medida pela sucessão temporal. A vida “eterna” é a vida plena de sentido, não somente subjetivo, mas objetivo, ao contrário daquela que é marcada pelo vazio.

Pr Marcelo de Oliveira 

 

2 Responses to A Qeri’at Torah

  1. Anderson Meneghel disse:

    parabéns pelo artigo, muito esclarecedor.
    grande abraço

  2. Mirian Oliveira disse:

    Olá Pr. Marcelo.
    Você pode me informar de qual livro tirastes esse texto? Gostaria de ler mais.
    Um grande abraço.
    Desde já agradeço.
    Att,
    Mirian

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