
No estudo anterior, nós abordamos as 4 palavras hebraicas relativas ao substantivo – “homem” , “ser humano” (adam, ish, enosh, gever).
Neste ensaio veremos as 4 palavras relativas à natureza humana: basar ou se’er (“carne”), ruakh (“espírito”), nephesh (“alma”) e lev (“coração”). O A.T nenhuma vez explica esses aspectos da natureza humana de modo sistemático. Cada termo tem mais de um sentido, às vezes físico, outras vezes psíquico.
??????? Basar ou se’er referem-se à parte visível, externa, física e material da natureza humana. Essas duas palavras hebraicas traduzíveis por “carne” tem muito pouca diferença em seu sentido. Basar ocorre 273 vezes, enquanto se’er é encontrado apenas 17 vezes. Os dois termos se referem primordialmente às partes musculares das pessoas e dos animais. Nenhum dos dois refere-se a Deus no A.T. Na verdade, uma passagem afirma explicitamente que Deus não é carne (Is. 31.3). A carne liga o ser humano ao mundo animal, não ao divino. A “carne” no A.T, é fraca (2 Cr 32.8; Sl 56.4; Jr 17.5). Com frequência o termo se refere a alimentos (Ex 21.10; Lv 4.11; Sl 78.20; Is 22.13). Ele pode indicar uma pessoa ou individuo (Lv 13.18; Pv 11.17). A carne também tem qualidades psíquicas no A.T. Ela pode “ter esperança” (Sl 16.9), “ansiar por Deus” (Sl 63.1), “cantar de alegria para o Deus vivo” (Sl 84.2).
????? Ruakh, “vento”, “espírito”, “fôlego”, ocorre 378 vezes no texto hebraico e 11 vezes nas porções aramaicas da Bíblia. Aproximadamente 113 vezes
ruakh se refere a “vento” ou ar em movimento. Em 136 lugares
ruakh se refere ao “Espírito de Deus”, e 130 referências para o “espírito humano”.
A idéia básica de ruakh, como na palavra grega pneuma, é “vento”. Jesus comparou a obra do Espírito ao vento (Jo 3.6-8), seguindo os profetas e escritores do A.T que viam em ruakh uma energia ou poder ativo, sobre-humano, invisível e misterioso. Ruakh se refere ao vento oriental (Ex 10.13; 14.21), ao vento norte (Pv 25.23), ao vento ocidental (Ex. 10.19), aos quatro ventos (Jr 49.36; Ez 37.9), ao vento forte (Sl 55.8) e ao vento do céu (Gn 8.1; Ex 15.10).
No começo do A.T é feita a associação entre o “sopro” de Deus e o “principio de vida” no ser humano (Gn 2.7; 6.17; 7.15-22). O sopro que energizou o ser humano foi uma dádiva do Espírito de Deus (Jó 9.18; 19.17; 27.3; Is 42.5; 57.16). Os ídolos não têm o “espírito” ou “fôlego”. Eles não tem vida nem poder (Jr 10.14; Hc 2.19). Os “ossos” de Israel voltam a ter vida quando o “espírito” vem dos quatro ventos e sopra sobre eles (Ez 37.6, 8-10, 14).
?????? Nephesh (“alma”, “vida”, “garganta”) é um termo difícil de definir, com um amplo espectro de significados. A tradução tradicional de nepesh em português como “alma” remonta à tradução anima, da Septuaginta, mas mesmo ela admite outros significados em 155 das 755 ocasiões em que a palavra é usada. O erudito Eichrodt disse: “A tradução infeliz do termo por ‘alma’ abriu a porta para entrada das idéias gregas sobre a alma”.
O significado básico de nephesh provavelmente é “garganta” ou “pescoço”. Isaías 5.14 diz que o mundo dos mortos abre bem a sua nepesh, “garganta” (cf. Sl 107.9; Hc 2.5). Jonas 2.5 diz que a água cercou sua nepesh, “garganta” ou “pescoço”). Parece que o sentido de nepesh mudou de “garganta” ou “pescoço” para “respiração”, indicando vida e vitalidade. Nephesh não se limita à “vida” do ser humano. Os animais também são chamados “seres vivos” (nepesh hayâ – Gn 1.21,24; 2.19; 9.10). Em Isaías 10.18 fala metaforicamente de nepesh e basar “alma” e “corpo” da floresta e da terra.
A forma verbal da raiz nps ocorre apenas três vezes no A.T, com o significado de “exalar” , “prender a respiração”, “refrescar-se”. Davi suspirou aliviado ao chegar ao Jordão, depois que Absalão se rebelou contra ele (2Sm 16.14). Duas vezes para o descanso no sábado é explicado como “exalar”, respirar refrigério”, uma vez pelas pessoas (Ex 23.12; 31.17).
?????? Leb, Lebab (“coração”), são dois termos correlatos com o mesmo sentido. O primeiro ocorre 598 vezes e o segundo, 252, tornando “coração” o termo antropológico usado com mais frequência no Antigo Testamento.
No Antigo Testamento conhecia-se o coração como órgão físico, mas não sua função essencial de fazer bombear o sangue. Poucas referências no Antigo Testamento referem-se ao coração como órgão físico. O profeta Oséias falou da “envoltura” (segôr) ou recipiente do coração (Os. 13.8), provavelmente referindo-se à caixa torácica que protege o coração. A expressão “dentro dele” (qereb) é uma indicação de que os israelitas sabiam que o coração ficava dentro da pessoa (1 Sm 25.37; Sl 39.3; 64.6).
“Coração” pode ser usado como sinônimo de nephesh (“alma”) e ruakh (“espírito”), em termos de sentimentos e emoções. Alegria e tristeza podem muito bem ser descritas por expressões como “dar força ao coração” ou “trazer refrigério à alma” (Gn 18.5; Jz 19.5,8; Sl 104.15); “derramar o coração” ou “derramar a alma” (Sl 62.8; Lm 2.19).
No A.T, o coração como centro do conhecimento ou da razão é freqüentemente associado ao ouvir (Dt 29.4; Pv 2.2; 18.15; 22.17). Uma pessoa inteligente era alguém de coração (Jó 34.10, 34), enquanto ao tolo faltava coração (Pv 10.13), ou dizia em seu coração: “não há Deus” (Sl 14.1; 53.1). A memória também é vinculada ao coração (Dt 4.9,39; Sl 31.12; Is 33.17).
Quando o A.T diz: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força” (Dt 6.5),
“coração” está em primeiro lugar e tem principalmente o sentido de “mente” – se bem que não em sentido estrito. Devemos amar a Deus com todo o intelecto, com os sentimentos, com as emoções, com a vontade – com todo o ser.
Pr Marcelo de Oliveira
Bibliografia: Smith, Ralph. Teologia do A.T. Edições Vida Nova
Bruce, F.F. Biblical Exegesis in the Qumran Texts. Tyndale Press.
Heschel, Abraham J. The profets. New York – 1962