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Seria Armínio um semipelagiano?

Teologia ArminianaAmados irmãos, não raras vezes, os arminianos são “acusados” de pelagianos, semipelagianos, que possuem uma teologia humanista e que não dão à honra e toda glória a Deus. Será isto uma verdade?

Recordo-me a magistral frase de Mark Twain: “Enquanto a verdade calça os sapatos, a mentira dá voltas no mundo”. O problema advém que muitos calvinistas nunca leram uma obra de Armínio na fonte, ou se leram, leram por escritores reformados.

Quando isso acontece, lemos por outros pressupostos, com outras lentes, prejudicando assim a correta interpretação da teologia arminiana. Neste singelo artigo que não será exaustivo, pinçarei algumas pérolas de Armínio e mostrarei o equívoco que muitos cometem, ao lerem os textos de Armínio por uma lente alternativa, não buscando nos originais, o que fato, foi dito.

Um princípio que deve ser observado por todos os envolvidos neste debate é antes de discordar, certifique-se que você entenda. Em outras palavras, devemos estar certos de que podemos descrever a posição teológica contrária como ele ou ela a descreveria, antes de criticá-la ou condená-la. Outro princípio norteador deve ser: Não impute a outros, crenças que você, logicamente considera atrelados às crenças alheias.
Isto posto, veja o que disse Armínio:

“Em seu estado pecaminoso e caído, o homem não é capaz, de e por si mesmo, quer seja pensar, querer ou fazer o que é, de fato, bom; mas é necessário que seja renovado em seu intelecto, afeições ou vontade e em todas as atribuições, por Deus em Cristo Jesus através do Espírito Santo, para que seja capaz de compreender corretamente, estimar, considerar, desejar e realizar o que quer que seja verdadeiramente bom. Quando ele é feito um participante dessa renovação, eu considero que, uma vez que ele é liberto do pecado, ele é capaz de pensar, desejar e fazer o que é bom, mas, entretanto, não sem a contínua ajuda da Graça Divina”

Armínio, pasmem os senhores, concordava com Agostinho e o calvinismo que o resultado da queda de Adão é a queda de sua posteridade; conforme os puritanos disseram: “na queda de Adão, todos nós pecamos”. Ainda disse ele:

“A totalidade deste pecado… não é privilégio de nossos primeiros pais, mas comum à raça inteira e a toda sua posteridade, que, na época em que este pecado foi cometido, estavam em seus lombos, e que tem desde então herdado deles pelo modo natural de propagação, de acordo com a Palavra: pois em Adão todos nós pecamos (Rm 5.12). Por conseguinte, qualquer punição foi infligida os nossos primeiros pais têm, da mesma forma, sido impregnada e ainda prossegue em toda sua posteridade, de maneira que todos os homens são, por natureza, filhos da desobediência (Ef 2.3), merecedores da condenação e da morte temporal e eterna; eles são também desprovidos de retidão e santidade originais (Rm 5.12,18,19). Com estas maldades eles permaneceriam oprimidos para sempre, a menos que fossem libertos por Cristo; a quem seja a glória (grifo nosso) para todo o sempre.

Glória para quem? A Deus, não aos homens. Esta confissão transparente de Armínio põe por terra todas as opiniões que ele era pelagiano ou semipelagiano, ou que ele possuía uma visão otimista da humanidade. Se os seres humanos tem qualquer livre-arbítrio em assuntos espirituais, é uma vontade libertada em virtude de Jesus Cristo e não em decorrência de quaisquer remanescentes de bondade neles.

Em Cristo, Pr Marcelo de Oliveira

P.s>> Dica de leitura: Teologia Arminiana (Mitos e Realidades) por Roger E. Olson. Editora Reflexão.

Esta obra foi traduzida pelo meu amigo, Wellington Mariano, que foi um pioneiro, trazendo esta excelente obra à pátria brasileira.

A ressurreição do corpo

Vestigios e FatosQue transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas.
Filipenses 3.21

 

A vitória de Cristo sobre a morte indica a natureza da ressurreição. Primeiramente, o Senhor ressurreto não foi um cadáver trazido de volta à vida. Não cremos como diz John Stott que nossos corpos serão milagrosamente reconstituídos da matéria que os compõe hoje. Jesus realizou três ressurreições durante o seu ministério – a do filho da viúva de Naim, o da filha de Jairo e a de Lázaro. A ressurreição de Jesus, no entanto, não foi uma ressuscitação. Ele foi promovido a um novo plano de existência no qual ele não era mais mortal, mas “vivo para todo o sempre” (Ap 1.18)

 

Segundo, nossa esperança cristã de ressurreição não é simplesmente na sobrevivência da alma. O próprio Jesus disse após sua ressurreição: “Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39). Logo, o Senhor ressurreto não era nem um cadáver reanimado, nem um fantasma. Ele foi ressuscitado dentre os mortos e ao mesmo tempo transformado em um novo veículo para a sua personalidade.

 

Além disso, nosso corpo ressuscitado será como o de Jesus, que foi uma extraordinária combinação de continuidade e descontinuidade. Por um lado, havia uma clara relação entre os seus dois corpos. As cicatrizes ainda estavam em suas mãos, seus pés e seu lado, e Maria Madalena reconheceu sua voz. Por outro lado, seu corpo atravessou as vestes no túmulo, a pedra selada e portas trancadas, deixando claro que tinha novos e inimagináveis poderes.

 

O apóstolo Paulo ilustrou essa combinação a partir da relação entre sementes e flores. A continuidade assegura que cada semente produza sua própria flor. A descontinuidade, no entanto, é mais importante, uma vez que a partir de uma pequena semente comum e até mesmo feia brotará uma flor perfumada, colorida e graciosa. “Assim será com a ressurreição dos mortos” (1 Co 15.42).

Para sintetizar, aguardamos ansiosamente não por uma ressuscitação (na qual seríamos ressuscitados, mas não transformados), nem por uma sobrevivência (na qual seríamos transformados em um fantasma, mas não ressuscitados corporalmente), mas por uma RESSURREIÇÃO (na qual seremos erguidos e transformados, transfigurados e glorificados simultaneamente).

 

Marcelo Oliveira

 

Bibliografia: Lopes, Hernandes Dias. 1 Coríntios. Editora Hagnos

Stott, John. A Bíblia toda, Ano todo. Editora Ultimato

 

Profetas falsos e verdadeiros

Jeremias ficou profundamente angustiado com o ministério dos falsos profetas que se opunham a ele. “Meu coração está partido dentro de mim”, ele clamou, todos os meus ossos tremem” (Jr 23.9). 

A situação atual é parecida, porém com uma diferença. Existem muitos falsos profetas (como Jesus disse que haveria), mas não há ninguém parecido com Jeremias, raras exceções. Certamente alguns possuem um discernimento espiritual profético em relação ao significado e à aplicação dos textos bíblicos. Mas não há ninguém que tenha inspiração ou a autoridade dos profetas bíblicos como Jeremias.

Em vez disso, somos abençoados por ter a Palavra escrita de Deus. Assim, o contraste hoje é entre os verdadeiros mestres que se submetem às Escrituras e os falsos mestres que rejeitam ou manipulam a Palavra de Deus.

Jeremias destaca cinco características dos falsos profetas:

1.     * Eles abusam de seu poder. São marcados pelo excesso de autoridade que pela mansidão de Cristo. “Seu poder é ilegítimo” (v. 10)

2. * Eles “vivem uma mentira”; têm uma vida dupla, desempenham um papel na vida pessoal e outro na vida pública (v. 13-14)

3.    *     Eles encorajam os que praticam o mal, em vez de chamá-los ao arrependimento (v. 14,22)

4.  *  Eles enchem as pessoas de falsas esperanças, dizendo que nenhum mal lhes sucederá (v. 16-17)

5.   *  “Falam de visões inventadas por eles mesmos, e que não vêm da boca do Senhor” (v. 16)

Somente a Palavra de Deus é eficaz. Como um martelo, ela despedaça a rocha dos corações obstinados. Como fogo, ela queima e purifica. Ela não é como a palha, mas nutritiva como o trigo (v. 28-29)

Não deveríamos ter dificuldade em colocar a Palavra de Deus acima dos nossos sonhos humanos, nem de escolher a revelação em vez da especulação. Talvez a maior necessidade de nossas igrejas seja de pastores que exponham e apliquem fielmente a Palavra de Deus, e que praticam aquilo que pregam.

 

Nele, a Palavra eterna

Marcelo Oliveira

 

Bibliografia: Peterson, Eugene. Corra com os cavalos. Editora Ultimato

 

             Stott, John. A Bíblia Toda, Ano Todo. Editora Ultimato

Padaria sem pão!

Um dia desses, saídos da igreja, Meacir eu paramos numa padaria que fora reformada. Nova frente, vitrinas amplas, ar condicionado, bom espaço, prateleiras circulares ao redor das pilastras e outras horizontais. Muito material: suco, refresco, panetone, lanchonete, congelados. Que legal! Um bom lugar para comprarmos um pãozinho quente na ida para casa. Só que, tendo muita coisa, a padaria não tinha pão. Padaria sem pão.

Um amigo meu, no tempo em que não havia etanol, apenas gasolina e diesel, parou num posto de gasolina, entregou a chave do possante Fusca ao frentista e pediu “Completa!”. O frentista indagou: “O senhor quer gasolina?”. O amigo, que não tinha muito humor, retrucou: “Não, quero banana. Vim comprar banana!”.

Não fui grosseiro assim. Até porque eu não queria gasolina. Mas também não queria energético, revistas de palavras cruzadas, chaveiro de time de futebol ou lâmina de barbear. Queria pão. Como não havia, fui-me embora.

Há igrejas como esta padaria. A pessoa não ouve falar de Jesus, embora a igreja seja dele. Ela louva o louvor, reivindica, declara, aperta o braço do irmão e diz que ele nasceu para ser vencedor (ao comando do dirigente), mas não ouve falar de Jesus, da cruz, da salvação eterna ganha no Calvário. Padaria sem o Pão da Vida.

Padaria sem pão é culto sem Jesus e sem a cruz. É o culto em que a Bíblia não é proclamada em sua inteireza, mas apenas partes isoladas que não mostram seu ensino, e sim o que as pessoas desejam. Padaria sem pão é o culto sem proclamação da soberania de Deus, da sua graça que perdoa nossos pecados quando nos arrependemos, mas apenas apresenta palavras de animação. Padaria sem pão tem o rosto de Lair Ribeiro, não o de Jesus. Os ouvintes não são pecadores que precisam ser confrontados com sua situação real e com a graça de Deus que os aceita, perdoa e restaura. Numa cópia do mundo, eles são vítimas de um mundo mau e de um Maligno que lhes tira as coisas e eles devem vir pedir restituição na igreja. Padaria sem pão é a igreja que vê culpados como coitadinhos. E ao invés de chamá-los ao arrependimento e a depositarem a vida e a fé em Jesus, ministra-lhes terapia de segunda categoria: como se sentir bem em seus pecados, ao invés de deixá-los.

Padaria sem pão tem muita coisa. Mas não tem o essencial. Igreja sem o essencial é assim. Tem o jantarzinho, a pelada sabatina, o joguinho de vôlei, o cineminha evangélico, o carteado entre irmãos, mas não tem a adoração ao Deus Santo, com o temor de Isaías (Is 6.5) e com o sentimento de indignidade de Pedro (“Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador” – Lc 5.8). Padaria sem pão tem festa, mas não quebrantamento. Tem alarido, mas não convicção de pecado.

Deus amado, não nos deixe ser padaria sem pão! Que queiramos o Pão da Vida, e não os badulaques da padaria.

Isaltino G. Coelho 

Magnífico: A viagem da Torá

EUO desenho original do texto da Torá é monótono. Não existem nele pontuação alguma, nem pontos de interrogação ou exclamação, nem vírgulas. Tampouco divisões por capítulos, menos ainda por versículos. Apenas as divisões dos cinco livros e uma estranha divisão de parágrafos que, às vezes, coincide com as parashiot.

 

Entretanto, existe um parágrafo de duas linhas estranhamente sinalizado por um espaço branco comprido antes e depois dele. Além disso, nesses espaços brancos aparece a letra hebraica ‘nun’, equivalente ao ‘n’, invertida. Tanto antes do parágrafo quanto depois dele.

 

Esse parágrafo emblemático não traz um erro de impressão. Temos evidências arqueológicas, além de históricas, que mostram que o trecho vem sendo copiado assim, sistematicamente por, pelo menos, mais de dois mil anos.

 

Esse parágrafo estranho aparece na parashá desta semana e diz: e era quando viajava a Torá que Moisés dizia: ‘levanta-te Ad-nai e se afastem teus inimigos e fujam da frente de ti quem te odeia’, e, ao parar, dizia: ‘volta-te Ad-nai aos milhares de Israel’.

 

No Talmud discutiram os sábios as possíveis razões de tal desenho para este parágrafo. Uns propuseram que se trataria do final de um livro e que, portanto, nossa divisão estaria errada. Outros disseram que o parágrafo em si seria mais um livro e que a Torá teria seis, não cinco livros como conhecemos. Por fim, concluíram que esse parágrafo não se encontra no lugar certo e propuseram vários contextos onde deveria ser recolocado, mas não chegaram a um consenso. Finalmente alguém disse: ‘Não conseguimos concordar, pois esse parágrafo não tem um espaço fixo. Precisa estar solto justamente para indicar isso: que não pode ser encerrado em nenhum lugar da Torá. Os espaços em branco que o precedem e o sucedem são espaços de movimentação’. Querem dizer figurativamente que o parágrafo precisa se movimentar pelo pergaminho. Por isso apareçam lá duas letras nun (N), que indicariam o mandamento nosea(viaja). Pois o parágrafo que fala sobre a viagem da Torá precisa viajar pela Torá.

 

E que significa a viagem da Torá?

 

A viagem da Tora é extremamente importante, pois nela está o segredo de sua sobrevivência. Um livro encerrado num armário, por mais sagrado que sejam o livro e o armário, está condenado a morrer. No esquecimento. Na irrelevância. Um livro que viaja é um livro vivo, que penetra na vida das pessoas, nas histórias de indivíduos, famílias, comunidades e sociedades, e povos. O livro viaja quando o deixamos entrar em nossas experiências e reflexões quando dialogamos com ele, discutimos com ele e permitimos dizer o que deveríamos ter dito ou feito estando no lugar de seus personagens. Desse modo, também os personagens falam conosco sobre nossas vidas, pensamentos, emoções e ações.

 

Só uma Torá assim, reinterpretada com subjetividade compromissada, vive e viverá.

 

 A Torá viajou pelo deserto junto aos nossos antepassados e viajou depois por todas as histórias e geografias das comunidades.

 

Por isso, cada vez que lemos a Torá na sinagoga, fazemos com que ela viaje por entre as pessoas que ali estão. Não é imprescindível beijar o objeto, o mais importante é abrir nossas vidas à sua mensagem. Deixá-la viajar por dentro de nós e viajar através dela ao passado, ao futuro, ao nosso interior e à nossa transcendência.

 

Rabino Ruben Sternschein

 



Lições da vida de Rode

 

INTRODUÇÃO

Rode significa “rosa”, em grego (rhode). Era doméstica na casa de Maria, mãe de João Marcos (vv. 12-13). Na igreja primitiva havia gente de posses, e com escravos gregos. Marcos era primo de Barnabé, outro irmão de posses, na igreja (Cl 4.10). Maria e Barnabé eram parentes. Barnabé era judeu cipriota (At 4.36), nascido, então, em Chipre. A família veio de fora, para Jerusalém. E Rode veio com ela. Assim a encontramos com os primeiros cristãos, ex-judeus. Ela, gentia, estava com eles. Havia uma grande mobilidade das pessoas, na época, o que facilitou a expansão do evangelho. Pensemos em um pouco em Rode, uma cristã comum, mas como todo cristão deve ser, uma pessoa marcante.

 

1. DE FORA, MAS ENTROU

Rode era gentia. Mas estava com a igreja. Não se diz explicitamente que era convertida, mas estava com os convertidos. Escravo não descansava, trabalhava enquanto os donos estavam acordados. Não se diz que ela estava orando, mas ela conhecia Pedro, e sabia o motivo das orações. É justo supor que fosse cristã. Alegrou-se em ver Pedro (v. 14). A palavra grega significa “comovida”.  Era de fora, gentia, mas abraçou a fé cristã. Bom ensino: a graça de Deus é para todos e quem a conhece deve abraçá-la. E deve se comover com as bênçãos de Deus. Deus não faz acepção de pessoas e escravos e crianças (gente sem valor) podem desfrutar da graça e serem instrumentos de Deus.

 

2. NÃO SE ABATEU COM A DESCRENÇA

Crentes curiosos: pedem algo a Deus, que responde, e eles não crêem (vv. 5, 15-16). Muitos de nós agimos assim! Rode não se deixou levar por questões racionalistas ou teológicas, muito menos com o descrédito para com ela (v. 15). Havia uma crença judaica de que cada pessoa tinha um anjo da guarda, parecido com a pessoa. Rode não quer saber de crença popular, mas viu que Deus responde a oração. Outro ensino: creia nas respostas de Deus. Não diga “Que coincidência!”, nem ore descrendo. Resposta de oração não depende de conhecimento, mas de Deus, que age como quer. Devemos crer no que Deus faz, sem desanimar diante das pessoas.

 

3. SAIU DE CENA

Não se lê mais nada de Rode. Simplesmente foi um acessório, dentro do contexto geral da revelação. Não se tornou grande vulto pelo que aconteceu. Muitos crentes querem ser “figurões” porque algo lhes aconteceu ou porque foram usados. Rode cumpriu seu papel. Entrou e saiu dele. Ela não era o tema central. O fundamental no texto é que Deus responde orações e age pelo seu povo. As pessoas são secundárias. Outro ensino: nada de culto à personalidade. Deus não nos deve nada. Alguém pode ser instrumento de Deus, mas a glória é dele, e não do instrumento.

 

CONCLUSÃO

Rode deveria ser uma adolescente, pois os criados eram alforriados quando passavam de um tempo determinado de serviço. Deus usa pessoas de todas as idades. Não importa a sua idade, você pode ser um instrumento para dar boas notícias a alguém. Deus usa pessoas de todas as camadas sociais. O rico Barnabé, a rica Maria e a escrava Rode. E outra mensagem: a igreja é para todos, quer ricos quer pobres. Deus não faz acepção de pessoas.

 Isaltino Gomes 

A Bíblia considera o aborto como assassinato?

 

O aborto cirúrgico dificilmente era possível antes do desenvolvimento das técnicas modernas da Medicina. Nos tempos antigos os fetos só eram mortos no útero quando suas mães faleciam. Exemplo disso é Amós 1.13:

“Assim diz o SENHOR: Por três transgressões dos filhos de Amom, e por quatro, não retirarei o castigo, porque fenderam o ventre às grávidas de Gileade, para dilatarem os seus termos”. 

O que as Escrituras nos ensinam sobre esta temática tão complicada? Em qualquer etapa do feto, Deus o considera um ser humano, de tal maneira que lhe tirar a vida pode ou não ser considerado assassinato?

O Salmo 139.13 indica de modo definitivo que a consideração especial de Deus pelo feto começa a partir do instante da concepção. Assim diz o salmista:

“Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe”. 

O verso 16 prossegue: Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir. 

É reconfortante saber que, embora muitos embriões ou fetos sejam abortados deliberadamente, todos os anos, por todo o mundo, Deus tem cuidado do ser ainda informe, tanto quanto vela pelos que já nasceram. O Eterno conhece por ter Ele próprio determinado os códigos genéticos de cada um, e traçou um plano definido para cada vida conforme o verso 16.

Em Jeremias 1.5, diz o Eterno ao profeta, no limiar de sua carreira:

Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta.

É certo que essa passagem implica que Deus conhecia esse menino antes dele ter sido concebido no ventre da sua mãe. O Eterno conhece todos os seres humanos, muito antes de sua concepção.  Outra lição que tiramos deste texto é que o próprio Deus é quem forma o embrião e governa e controla todos os processos “naturais” que redundam no milagre da vida humana.  Em último lugar, Deus tem um plano definido para nós, um propósito para nossa vida, de modo que cada pessoa realmente é importante para Deus.

Portanto, todo aquele que tirar a vida de qualquer ser humano, em qualquer estágio de sua vida, deverá prestar contas a Deus (cf. Gn 9.6).  Quando é que um embrião começa a ser uma criatura feita à imagem de Deus? A partir do momento da concepção, no útero, dizem as Escrituras. Portanto, Deus vai requerer o sangue de um feto das mãos do seu assassino, seja o que pratica o aborto seja um profissional, ou um inexperiente, sem preparo profissional.

Concluo com a célebre frase de Henry Miller:

“Não conheço crime maior que este: matar aquele que luta para nascer”.



 

 

A Páscoa e os 4 cálices

Numa primeira leitura sobre as dez pragas enviadas contra o Egito, nós deduzimos que a aparente razão para tais calamidades foi a obstinada recusa do Faraó em obedecer à ordem do Eterno de libertar Israel. No entanto, se esse fosse o único propósito, um único golpe devastador teria sido suficiente.

 

Agora surge a pergunta: Por que o Eterno optou por dez pragas? Porque, por intermédio das dez pragas, o Eterno demonstrou não apenas ser o Criador do universo, mas Senhor único e absoluto dos céus e da terra, o Juiz supremo e o Regente da natureza. Segundo a cultura judaica, cada praga que Deus manifestou no Egito serviu como castigo pela escravidão, tortura e a campanha de genocídio perpetrada pelos egípcios contra o povo judeu.

 

O texto de Êxodo 5.1 diz: “[…} para que celebre uma festa no deserto”. Implicitamente esta era a festa da Páscoa. Somente depois que o faraó ter “endurecido o coração” e repetidamente se recusado a liberar o povo judeu, as portas do arrependimento se fecharam. Maimônides, um dos maiores rabinos da história de Israel, explica que a expressão “endurecerei o coração”, é o castigo que Deus impõe a quem cometeu um grave pecado é privá-lo da possibilidade de se arrepender. Este é o significado desta expressão. Percebemos esta ideia no caso de Esaú, que buscou o arrependimento e não encontrou (Hb 12.16,17).

 

As razões naturais que levaram os judeus a incorporar em suas vidas a celebração da Páscoa, no hebraico Pesach (passagem, passar por cima) são relevantes e todas de grande significado. Buscando descortinar os motivos que deram alegria aos judeus em comemorar a Páscoa, devemos observar o capítulo 12 de Êxodo, onde vemos o Eterno não só instituindo tal festa, como também apontando os benefícios dela advindos. Assim, ao celebrar a Páscoa, quer a primeira, quer as que seguiram, o judeu tinha por base quatro grandes bênçãos de Deus, como veremos agora:

 

1) Ela representou o começo de uma nova contagem do tempo.  A partir dessa data o povo deveria, e num certo sentido estava, reiniciando a vida. Isso é magnífico, pois para os judeus a vida era somente opressão, humilhação e opróbrio. Deus queria lhes ensinar algo lindo: a partir deste acontecimento, eles estavam voltando ao zero, e tendo a oportunidade de recomeçar suas vidas.

 

O versículo 2 diz: “este mês será o principio dos meses”. Isto queria dizer que o novo calendário vinha diretamente de Deus e que eles teriam um novo começo. Definitivamente eles abandonariam o calendário da escravidão vivida sob o império egípcio e começariam a contar seus dias a partir do mês da libertação! Nenhuma lembrança deveria acompanhá-los. Houve uma ruptura entre o calendário egípcio e o divino. Hoje pode ser um novo tempo em sua vida. Não haverá lembrança dos tempos antigos. Deus estava dizendo ao povo judeu: chega de escravidão, hoje faço uma ruptura no calendário antigo.

 

O profeta Isaías alça sua voz e diz: “Eis que faço uma coisa nova, agora sairá a luz” (Is 43.19).

 

2) De escravos, foram feitos em homens e mulheres livres.  A segunda razão da alegria de celebrar a Páscoa estava no fato de que o povo seria livre. Tente imaginar: os judeus estavam confinados aos estreitos limites da terra da escravidão, e sem nenhuma condição de se moverem daquele território. Agora, por causa da Páscoa, seriam livres para andar sob a direção de Deus. A chance de ver-se livre das amarras do escravizador era iminente.

 

Os judeus celebravam a Páscoa sob a ótica da liberdade. Como uma autêntica carta de alforria, a Páscoa proclamava liberdade aos cativos. Assim éramos nós, escravos do pecado, confinados nele, mas por meio do sangue de Jesus, somos livres!

 

Jesus disse: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8.36). O apóstolo Paulo, em Romanos 6.18 diz: “E libertos do pecado, fostes feitos servos da justiça”.

 

3) Foram guardados diante do juízo de Deus.  Sob o efeito protetor do sangue do Cordeiro pascal, o povo judeu foi preservado da morte que atingiu todas as famílias egípcias. A morte que fez definhar o poderio egípcio, pois desde o rei ao mais simples cidadão, bem como os animais, todos tiveram de chorar aquela noite a perda do seu primogênito, mas a família dos judeus não foi atingida.

 

Ao ver toda a família presente no banquete pascal, é possível imaginar a enorme alegria que tomou conta do coração do judeu. Assim, a Páscoa não comunica somente o começo de um tempo novo e a liberdade, mas também a vida guardada diante da morte.

 

A cultura judaica é uma das mais fascinantes do mundo. Os judeus até hoje celebram a Páscoa com quatro cálices. Neste momento você deve estar se perguntando: De onde veio a ideia dos quatro cálices? Os exegetas judeus observaram um detalhe interessante no livro do Êxodo 6.6,7 onde há quatro verbos que se destacam.

 

“Portanto, dize aos filhos de Israel: Eu o Senhor, vos tirarei [1] de debaixo das cargas dos egípcios, e vos livrarei [2] da servidão, e vos resgatarei com braço estendido [3] e com grandes juízos.  Versículo 7: Eu vos tomarei [4] por meu povo […]” (Ex 6.6,7).  Eles também relacionam estes quatro verbos as quatro letras do nome inefável do Eterno, o tetragrama sagrado: Yod, Hei, Wav, Hei. 


A Palavra de Deus é um livro incomparável e magnífico. No evangelho de Lucas 22, temos quatro cálices também!

 

Vejamos:

 

Lucas 22.17: E, tomando um cálice [1]

Lucas 22.20: Semelhantemente, tomou o cálice [2]

Lucas 22.42: “[…} passa de mim este cálice [3]

Lucas 22.18: “[…] não beberei do fruto da vide [4]

 

Perceba que os cálices no texto de Lucas não estão em uma ordem cronológica. O versículo 18 aponta para o cálice que “beberemos” por ocasião  das bodas do Cordeiro.

 

Agora, o que desejo destacar, é o 3º cálice, em que encontramos o verbo: “resgatarei com braço estendido”. Esse foi o cálice que Jesus, o Filho de Deus, pediu ao Pai para que ele não tomasse, quando orava no Getsemani. Todavia, sabemos que o Pai não ouviu sua oração. Jesus teria que sorver toda a ira de Deus e levar sobre si os pecados do mundo. Surge a pergunta: “Onde Jesus tomou este cálice”? Na cruz, com o braço estendido! Ele nos resgatou com braço estendido! Oh profundidade das riquezas! É por este motivo que devemos amar e estudar a Bíblia. Ela é perfeita, bela, incomparável.

 

4) Eles tinham como destino uma terra abençoada. Para um povo que viveu tanto tempo sem uma pátria, a Páscoa prometia uma terra rica, abençoada sob o governo redentor de Deus. O texto de Êxodo 12.25 diz: “E acontecerá que, quando entrardes na terra que o Senhor vos dará…”. Mais tarde, Josué disse: “E eu vos dei a terra em que não trabalhaste, e cidade que não edificaste, e habitais nela e comeis das vinhas dos olivais que não plantaste” (Js 24.13).

 

Assim, tendo reiniciado a contagem dos dias, experimentando a liberdade, guardados do poder destruidor da morte e indo em direção a uma terra rica, não é de admirar que a Páscoa tinha um clima de festividade indizível. Contudo, há de se observar que a celebração da Páscoa não tinha como objetivo centralizar a atenção do povo nas bênçãos que lhe foram outorgadas, mas no Deus Eterno, que era a fonte de tudo e os abençoara. 

 

Assim como o povo de Israel entrou na terra da promessa, nós, que conhecemos a Jesus, o Cordeiro de Deus, e reconhecemos seu senhorio, entraremos na Jerusalém celestial, a cidade cujo arquiteto é o próprio Deus. Amém!

A oração no meio da mais profunda dor

 

INTRODUÇÃO

O livro mais chocante e doloroso da Bíblia. A Septuaginta diz que Jeremias viu as ruínas de Jerusalém, sentou-se e compôs esta lamentação. É um choro pela cidade amada. O livro é chamado de “O muro de Lamentações da Bíblia”. É lido todos os anos pelos judeus, na comemoração da destruição de Jerusalém. A primeira oração do livro é só uma frase, no fim do versículo 11. Esta é a segunda, um pouco maior. É uma oração no meio da mais profunda dor.

 

1. VÊ A MINHA AFLIÇÃO – V. 20

Grande aflição. Além da dor pelo que aconteceu, os sobreviventes se matavam por comida (final do v. 20). É dor pelo passado, pelo presente, e pela ausência de perspectiva no futuro. Não há o que fazer. Não sabe o que fazer.Apenas pergunta: 1.12. Autopiedade não ajuda. No momento de aflição, esta é a oração certa: “Vê, ó Senhor, a minha aflição”. A atitude certa em 1.9. Apele para a misericórdia, o ponto fraco de Deus.

 

2. OUVE OS MEUS GEMIDOS – V. 21

Deus tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. “Gemidos”. Oração não é blábláblá. Muitas vezes é para gemer mesmo. Quem não chorou em oração não sabe o que é orar. É abrir o coração com Deus, derramar a alma diante dele. Muita oração é tagarelice. É o abrir das comportas das emoções. “Não há ninguém que me console”. Deus consola: 2Coríntios 1.3-4. O Espírito é “outro Consolador” (Jo 14.16) pois Jesus é o Consolador. Os homens não podem; Deus pode.

 

3. VENHA O DIA QUE PROMETESTE – V. 21

Pediam restauração e juízo sobre inimigos. Teste pragmático do AT. Nós, cristãos, não pedimos vingança. Ela pertence ao Senhor: Rm 12.19. Mas devemos pedir o livramento. A crise é boa para aprender. Foram curados da idolatria, para sempre.  É bom para aprender a depender de Deus: 3.22-27. Hora de crescer, de experimentar a cura das feridas emocionais. “Deus pode consertar um coração partido se lhe dermos todos os pedaços”. Peça pelo seu livramento!

 

CONCLUSÃO

Sofrer nunca é bom. Decepcionar-se, chorar, frustrar-se, nada disto é bom. Mas é nestas horas que devemos nos apegar com Deus. No momento de sua maior crise, quando os amigos o abandonaram, dormindo, Jesus se apegou ao Pai (Jo 17). É um exemplo para nós. Amigos são bons, mas suplicar pela graça e pela misericórdia de Deus é muito melhor.

Isaltino Gomes 

Por que a maldição caiu sobre Canaã no lugar de Cam?

 

Todos os amantes das Escrituras já se depararam com uma pergunta inquietadora: Por que Canaã foi amaldiçoado no lugar de Cam? Visto que as maldições e bênçãos sobre os três filhos têm em vista seus descendentes, não é de estranhar que a maldição recaia sobre o filho de Cam, e não sobre o próprio Cam (Gn 9.18-22), especialmente em razão de Deus já haver abençoado este justo sobrevivente do dilúvio (Gn 9.1). Prezados leitores [as], quem pode amaldiçoar aquele que o Eterno abençoou?  Leia atentamente Gênesis 9.1

Como o filho mais jovem injuriava a seu pai, assim  a maldição recairá sobre seu filho mais jovem, que presumivelmente herda sua decadência moral (cf. Lv 18.3; Dt 9.3). Em adição aos cananitas, os descendentes de Cam incluem alguns dos inimigos mais ferrenhos de Israel: Filístia, Assíria, Babilônia (cf. Gn 10.9-13). Por trás da profecia de Noé está o conceito de solidariedade corporativa. A justiça de Noé é reproduzida em Sem e Jafé; sua imoralidade, em Cam. A imoralidade de Cam contra seu pai estará estigmatizada em seus descendentes; e a modéstia de Sem e jafé, nos seus.

O erudito Cassuto explica a expressão “servo dos servos” (Gn 9.25): ‘Os cananitas se destinavam a sofrer a maldição e a servidão não em decorrência dos pecados de Cam, mas porque eles mesmos agiam como Cam, em decorrência das suas próprias transgressões. A servidão de Canaã é espiritual, não apenas política. A maldição posta sobre Canaã o liga à maldição sobre a serpente (Gn 3.14) e sobre Caim (Gn 4.1). Entretanto, a maldição geral não é exceção. Como a cena deixa bem claro, a diferença entre os prospectos futuros dos irmãos ancestrais pertence à sua moralidade, não à sua etnia como tal.

A família da prostituta cananita Raabe virá a ser parte do povo da aliança (Js 2.14; 6.17-22; Mt 1.5; Hb 11.31), e a família do judeu Aça será eliminada (Js 7). Quando Israel se comporta como os cananitas, a terra os vomita dela também (2Rs 17.20).

Pr Marcelo Oliveira

Bibliografia: Wiersbe, Warren. Comentário Expositivo. Geográfica Editora

                          Waltke, Bruce e Cathi, Fredericks. Gênesis. Ed. Cultura Cristã